No rescaldo das eleições autárquicas, veio-me à memória o clássico da literatura infanto-juvenil “As viagens de Gulliver” de Jonattan Swift, mais especificamente a viagem que o herói faz ao país dos cavalos; ali, a situação era invertida, os cavalos dominavam os seres humanos, que por sua vez faziam trabalhos duros tais como puxar carroças. Gulliver tem uma visita guiada por um simpático cavalo anfitrião, que lhe explica, ente outras coisas, que os seres humanos eram inferiores aos cavalos, desde logo porque escolhiam para chefes os piores dos seus semelhantes, os mais agressivos e brutais, os mais desonestos (além de tratarem mal as fêmeas…)
Talvez nem sempre seja assim, mas que tem acontecido maioritariamente, deste modo, ao longo da história, é bem verdade. E na história recente dos poderes locais também: reiteram-se comportamentos legalmente duvidosos, replicam-se suspeitas de corrupção e, pasme-se, dão-se reeleições! Há pouco tempo, em conversa com uma jovem de idade, mas muito velha de espírito, ouvi dizer que “é normal os presidentes de câmara serem corruptos”! Como se a vulgaridade se confundisse com a normalidade! Há aqui uma postura de demissão assustadora! E que se traduz em números na hora em que o povo é soberano e podendo punir os que o defraudam ou decepcionam, acaba num encolher de ombros, “nem lá vou, nem faço nada” (a abstenção é avassaladora e reveladora do profundo cepticismo popular) ou, pior ainda, votam de novo, porque sim, naqueles que nada fizeram pela res publica ou que, fazendo, fizeram mal!
Assim vai Portugal. É com tristeza que constato a desvalorização popular do acto eleitoral, tão caro para o Estado Português, materialmente caro e ainda mais caro que foi em vidas, sangue e lágrimas daqueles que lutaram durante a ditadura pela democracia! Resta-nos sempre a esperança no futuro, porque aqueles que acreditam na justiça, na verdade, na integridade, não baixarão os braços e vão teimar na luta pelo bem-estar da pólis.
Ana Margarida Borges da Silva León nasceu em Lisboa, mas com ascendência beirã. Estudou
Direito em Coimbra e exerce funções como conservadora do registo civil. Desde cedo, esteve
ligada a associações ambientalistas e de defesa dos direitos dos animais. Melómana, estudou
piano e, neste momento, pertence ao Coro Magnus D’Om em Santa Comba Dão. Publicou uma
obra de literatura infantil e participou em duas antologias de contos de Natal. Neste
momento, está a realizar uma licenciatura em História, na Faculdade de Letras da Universidade
de Coimbra.