2019 acabou. Foi o ano em que tentei virar tudo do avesso e aprender a fazer todos os porquês. A capacidade que as crianças perguntarem porquê é incrível e seria muito útil na vida adulta que parece correr enleada em hábitos e rotinas que sempre assim foram e por isso continuam a ser.
Tenho refletido muito sobre o papel de coisas que me são muito queridas na sociedade.
Para que serve a antropologia? Para que serve a arte? Para que serve a filosofia?…
Todas estas coisas maravilhosas servem para fazer perguntas (“porquês”), para questionar o pré estabelecido e o pré conceito.
Para que serve a política?
Serve para tomar posição e agir face aos porquês.
Penso que não fui só eu a tentar reaprender a capacidade de perguntar o porquê das coisas. Por algum motivo o(s) movimento(s) nas ruas fervilhou em 2019. Foram muitas as manifestações, os protestos, as vigílias, as marchas… Foram por todo o lado, por todo o mundo, por todos os distritos do país. As ações de rua estão a crescer e ganhar corpo em Portugal, estão a amadurecer e a construir redes, são cada vez mais conscientes e politizadas. Os movimentos são cada vez mais solidários entre si e se o mundo parece enlouquecido também a capacidade de resposta e de espernear contra o conformismo tem mais e melhor saúde.
Foi mais um ano traumático na questão da violência doméstica, sabemos agora que em Portugal morreram 30 mulheres em contexto de violência doméstica. Neto de Moura chocou o país, antes fosse só ele o problema… O personagem é só um dos vários sintomas de uma justiça machista que emana de uma sociedade ainda demasiado conservadora, que tem por base e problema, mesmo que por vezes de forma oculta, o patriarcado, a LGBTI+ fobia, o racismo e o capitalismo. Ou por outras palavras – se perguntarmos o porquê de trabalharmos cada vez mais, por cada vez menos, na ilusão de ter cada vez mais dinheiro, para consumir cada vez mais e usufruir cada vez menos fica tudo às aranhas. Se perguntarmos a quem tem uma filha se ela pode dormir com uma mulher, casar com um árabe ou ir viver sozinha para a capital a resposta será atarantada.
Por isso as reivindicações das lutas são cada vez mais interseccionais e a luta é ela mesma cada vez mais só uma.
2019 foi também o ano das Greves Climáticas, impulsionadas principalmente pela juventude. Ninguém (embora tarde) ficou indiferente à Greta, à COP25 ou à contrapartida da mesma: a Cimeira Social pelo Clima e a manifestação em Madrid. 2019 foi o “ano grito”, o ano de despertar de vez para o clima, de perceber que já não é apenas alteração, é emergência e uma questão de justiça. E vai tudo voltar ao mesmo, se perguntarmos o porquê percebemos que tudo radica na mesma sociedade-problema que fomenta o patriarcado, a normatividade sexual e romântica, o engrenar na economia capitalista.
Pois que 2020 venha sem medo ou pudor, que faça todos os porquês, que varra todas as ideias carunchosas e sirva de alicerce para o processo daquilo que desejamos, todos os anos com as doze passas, mais ainda não tivemos coragem para construir: um mundo melhor.
Que 2020 nos coloque, pessoas, lado a lado. Há tanto para fazer! Tudo! Que seja este o ano da defesa intransigente dos direitos humanos, de marcha constante pelos direitos LGBTI+, pelos direitos das mulheres, contra o racismo e contra o fascismo. Que seja este o ano em que todas as gerações bramam, reclamam, criam justiça climática. Que seja este o ano em que nos ouvimos muito mais, em que escutamos toda a gente, em que a política ouve sempre as populações e se faz através das suas necessidades.
Que 2020 seja o ano em que não entramos com o pé direito, mas com o esquerdo a dar um pontapé. Que seja o ano em não pedimos desejos, mas temos força para fazer reais os sonhos.
Ativista. Formada em Antropologia. Deputada na Assembleia Municipal de Viseu pelo Bloco de Esquerda.