Rua

Rua
Rua

Vivo num umbral

Numa rua para além de limítrofe

Numa urbe suburbana

 

A rua onde moro nunca chegou a ser rua

Nem avenida, nem circular, nem coisa alguma

É só lugar por onde se passa

Por onde se entra

Por onde se sai

Onde nunca se fica.

 

Nunca se viu palmilhada lentamente

Pelas moles que acorrem às montras

Nem tão pouco pelas sandálias 

Que vão pesando ao fim de tarde numa esplanada

 

É uma rua por onde se foge

Onde anda quem não quer ser visto

Onde nem quem mora para

É rua mais de motores do que de gente

É a sina das ruas que nascem depois do tempo

É a rua que nasceu no fim e no nada ficou

É a rua densamente despida

Pesadamente escura

Larga e estreita ao mesmo tempo

É a rua que desarma e desconforta

Mas sem ninguém para assistir à vergonha alheia

 

O mais triste desta rua

É que não tem vizinhas a olhar pelo canto da cortina

Ou vizinhos a pastar as tardes na soleira da porta

Ou cães dolentes ao sol

Ou gatos a gritar em janeiro

Ou crianças a levar sermões por brincarem na rua

E chegarem a casa depois do sol posto

 

O mal desta rua é não ter pedras para pontapear

Poças lamacentas onde chapinhar

E trevos de flor amarela para sugar

 

O mal desta rua é não ser a rua da minha infância que não existe.

Outros artigos deste autor >

Ativista. Formada em Antropologia. Deputada na Assembleia Municipal de Viseu pelo Bloco de Esquerda.

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O renascer da arte a brotar do Interior e a florescer sem limites ou fronteiras. Contos, histórias, narrativa e muita poesia.

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