Ativismo e poder local

Nas democracias, os partidos políticos desempenham funções importantes na agregação de preferências e no alinhamento de interesses dos eleitores em relação às grandes orientações programáticas. Os partidos políticos, mesmo sendo difícil devido ao encaminhamento que as democracias têm tido, têm que saber lidar sistematicamente com pedidos cada vez mais específicos ou com questões emergentes, com assuntos que não recebem a atenção devida.
O apoio na sociedade civil é fundamental, já que isso é uma forma de conseguir entender o que ela quer expressar, acolher os interesses da cidadania que não são enquadrados pelo poder político.

Os sistemas é que foram politizados e sedimentados pelo ativismo e a partir daí vão ganhando consenso social. Nós não conseguimos entender a transformação das plataformas programáticas dos partidos sem entender o ativismo social.
O ativismo também é uma forma de aumentar a responsabilização dos partidos. Sem ajuda do ativismo a maior parte da sociedade não teria a oportunidade de acompanhar a produção legislativa e assim sendo podemos encarar o ativismo como uma forma de monitorizar este sector. É sempre uma forma de construir forças e mobilização em torno de uma ou várias causas, quer a nível político quer social. O ativismo tem um papel para além dos partidos, a representação institucional precisa destas movimentações para poder operar e ser obrigada a realizar transformações. Os envolvimentos dos partidos políticos com base em movimentos sociais mantêm a relação necessária para a participação, a mobilização, a politização e abre campos para alterações.

Temos exemplos desta relação tão importante, entre os movimentos e os partidos políticos, na região Dão Lafões como foi a campanha do Movimento Carregal Positivo nas autárquicas de 2017, em Carregal do Sal, que serviu como base para a primeira candidatura do Bloco de Esquerda neste concelho e onde elegeram um deputado municipal.

A lista mais jovem do país, com uma média de 26,4 anos, com uma campanha inovadora, com uma comunicação cativante que serviu para fazer entender, de uma forma clara, fácil e direta, o programa eleitoral aos munícipes e provou que seriedade e responsabilidade não tem que ser sinónimo de idade.
Em 2016, o PSOL obteve um excelente resultado na eleição para a vereação em Belo Horizonte, no Brasil. Entendeu como funcionava o jogo, pensou bem, trabalhou com antecedência, e conquistou finalmente os seus objetivos na câmara de Belo Horizonte. Não elegeu uma pessoa, mas sim duas. Um dos grandes responsáveis por todo este sucesso foi um coletivo montado dentro do PSOL chamado “A cidade que queremos”. Esse coletivo lançou 12 candidatos: Os “Somos Muitas”. Cada candidato tinha uma bandeira específica como de cannabis, da luta feminista, da diversidade sexual, e a trabalhava de forma criativa em textos, imagens e vídeos. Acreditaram juntas e juntos que outra política era possível. Vindas das ruas, das lutas e dos coletivos, uniram-se para dizer que somos MUITAS, que eram maioria da população, e precisavam claramente ocupar também a política institucional. O principal foco desta campanha foi afetar a política instalada, encher a política de diversidade, mostrar que ela pode ser mesmo bonita. A campanha tentou romper com uma ideia do que é fazer política, inclusive, na estética da campanha e na intensa participação em que esteve envolvida. Também existiu algo em comum com o teatro.

Construíram uma campanha coletiva, em que uma candidata pedia o voto para outra sob o mote “votou em uma, votou em todas”, e colaborativa, contando, principalmente, com força de trabalho voluntário. Para além desta ideia, outras medidas bastante inovadoras foram criadas, como um grupo de teatro, “As Diferentonas” e além de aliar a experiência teatral à ação social, a ideia é que cidadãs e cidadãos não sejam só espectadoras das ações das parlamentares, mas também corresponsáveis por aquilo que faz delas as suas representantes, também criaram os “labpops” ou laboratórios populares de leis onde a ideia é discutir as ações do mandato em assembleias públicas. Criar um espaço de encontro que permite que a população participe diretamente na construção do mandato.

Também a Compostela Aberta é uma proposta coletiva da cidadania de Santiago Compostela, na Galiza, um processo político-social de confluência à esquerda com um objetivo comum de devolver a cidade às gentes de Santiago, governada até então pelo Partido Popular.

É um grupo integrador e democrático. Todas as decisões que tomam debatem-se e votam em assembleias públicas e abertas, às que podem assistir todas as pessoas que assim o desejem, sejam ou não membros de Compostela Aberta.
Compostela Aberta criou-se pouco antes das eleições autárquicas de maio de 2015, com objetivo de, tal e como expressam no Manifesto, governar democraticamente para as pessoas e configurar a Compostela do século XXI. Voluntários e voluntárias, especialistas nas suas respetivas matérias, elaboraram um código ético e um programa baseado no documento que denominaram as 13 Chaves, onde definem as linhas programáticas e de transparência de Compostela Aberta. Em maio de 2015 Compostela Aberta ganha as eleições municipais. A partir daí o objetivo foi aplicar de uma maneira transparente e democrática o programa eleitoral. Para tal criam-se os Grupos de Trabalho (GdT) que, baseando-se nos distintos documentos programáticos e éticos elaborados, apoiam e complementam a atividade do executivo. A interlocução dos GdT com a equipa dos eleitos estabelece-se através de uma Comissão Coordenadora, na que estão presentes os porta-vozes dos grupos e membros do executivo municipal. Também o projeto de Em Marea na Corunha é semelhante.

Todos estas experiências têm um ponto em comum: a interação permanente dos partidos com a sociedade. Uma relação dialogante entre ambos, em que o partido tem uma perspetiva e memória estrutural e os movimentos a sua agenda que pode ser integrada nos partidos.

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Diego Enrique Rodrigues Garcia, nasceu no dia 1 de Agosto de 1992 em Ourense, na Galiza. Desde 2009 que reside continuamente em Portugal, na região da Beira Alta.
Ativista social e independentista galego, está ligado ao movimento associativo na área ambiental, do bem-estar animal e da juventude. Dirigente do Bloco de Esquerda no distrito de Viseu
Atualmente a realizar uma licenciatura em Estudos Europeus na Universidade Aberta.

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