É louvável que a Câmara Municipal da Covilhã esteja a investir em bicicletas partilhadas e numa rede ciclável, entretanto seria imprescindível que esse investimento viesse acompanhado de um bom projeto, pois uma faixa ciclável mal projetada pode representar mais risco para o ciclista que não a ter. Este projeto não está disponível para consulta pública, foi-me disponibilizado apenas um póster com alguns desenhos, sem escala ou dimensões, assim a análise que segue tem por base esse único póster e o que já está a ser executado pela Câmara Municipal.
A primeira impressão que se tem quando se analisa estes desenhos da rede de ciclovias que está a ser implantado na Covilhã é que foi elaborado da janela de um carro, com consultas ao Google Maps, sem um real e profundo conhecimento das necessidades dos ciclistas, da orografia da cidade e sem a consulta aos manuais de referência técnica. Da janela do carro, porque não sai do ponto de vista do automobilista, que vê a bicicleta como um obstáculo no trânsito, que deve ser condicionado a uma ciclovia, e que de preferência, ocupe o mínimo de espaço e não atrapalhe o sagrado trânsito automóvel. Não conhece a orografia porque utiliza ruas com inclinações acentuadas, não aproveitando vias alternativas e de pouca inclinação, e não respeita os manuais técnicos porque não segue as especificações mínimas recomendadas nem a geometria adequada.
Não se pode agradar a gregos e a troianos. Ou se privilegia o automobilista ou se prioriza a mobilidade sustentável. Os dois ao mesmo tempo não é possível. Quando se pensa numa ciclovia, deve-se ter a ótica de quem utiliza a bicicleta para as suas deslocações diárias, privilegiar a mobilidade ativa e sustentável em detrimento da motorizada, para assim incentivar as pessoas a mudarem os seus hábitos e, pelo menos nas pequenas deslocações, deixarem as suas viaturas nas garagens. O sistema precisa inspirar segurança para os utilizadores vulneráveis da via, que são os ciclistas e mais vulneráveis ainda, os peões.
As críticas e questionamentos que seguem estão balizadas nos conflitos destes desenhos e do que está executado, com o Código da Estrada e com a Coleção de Brochuras Técnicas / Temáticas – Rede Ciclável – Princípios de Planeamento e Desenho, lançado em 2011 pelo IMTT, e que continuam a ser a referência para este tipo de projeto em Portugal.
Nesta publicação está estabelecido que o planeamento de uma rede ciclável deve cobrir pelo menos as principais linhas de desejo das deslocações urbanas. Foi realizada alguma pesquisa para identificar essas linhas de desejo?
Nela também é estabelecido o princípio da concertação, que deve promover articulação e negociação de soluções entre os diferentes agentes envolvidos, entre o setor privado, o setor público e a sociedade civil. Assim, quais foram as entidades da sociedade civil que foram convidadas a participar dessa concertação?
Quais foram os critérios utilizados para a escolha das ruas contempladas pelo projeto? Por que razão a Alameda Pêro da Covilhã, uma das principais vias da cidade, inclusive que liga ao Hospital, não foi contemplada com nenhuma solução? Outras vias, como a Estrada da Velha Fábrica, que poderia ser uma ligação de inclinação mais suave para o Polo IV da UBI e Jardim Público também não foi contemplada? Só para citar alguns exemplos, pois essas lacunas deixam o sistema sem a articulação a polos importantes de atratividade urbana e sem a devida continuidade. Também não foram pensadas vias alternativas, fora das ruas dos carros, como por exemplo, por dentro do Jardim da Goldra, que daria uma inclinação mais suave que a Av. do Biribau.
O projeto apresenta duas soluções básicas, uma que prevê a coexistência, com a sinalização das ruas com alertas para o compartilhamento e vias com faixas cicláveis na lateral, com marcação das faixas apenas em pintura vermelha. O único inconveniente das ruas sinalizadas de coexistência é que para os automobilistas menos informados fica a impressão de que só nestas vias é que o ciclista pode transitar, quando não é verdade. O melhor seria a sinalização de todas as ruas de maior intensidade de trânsito. As ruas de trânsito local, com pouco movimento, essa sinalização é até dispensável, pois os carros em geral já se deslocam mais lentamente. O problema maior dá-se quando a faixa ciclável é mal concebida.
O número 3 do Artigo 90.º Código da Estrada diz que “Os condutores de velocípedes devem transitar pelo lado direito da via de trânsito, conservando das bermas ou passeios uma distância suficiente que permita evitar acidentes.” Isso tem uma razão simples, é nesta faixa próxima das bermas e passeios que ficam os sistemas de drenagem, com sumidouros, outras caixas de infraestruturas, concentram mais sujidades, apresentam mais falhas na regularidade das pavimentações e, nos tempos chuvosos, juntam mais poças de água. Esse afastamento do passeio serve também para impedir que os automobilistas ultrapassem sem a devida mudança de faixa, respeitando a distância mínima permitida de 1,5 m na lateral. Em suma, é perigoso andar de bicicleta próximo aos passeios. É justamente nesta posição que foi executada a faixa ciclável da Covilhã.
“De uma maneira geral os acidentes acontecem devido à velocidade de circulação elevada dos veículos motorizados potenciada pela dimensão e número de pistas no anel de circulação das rotundas que aumenta o risco do ciclista não ser visto e a probabilidade de um acidente.”
“As boas práticas internacionais referem que, em meio urbano, as rotundas devem ser compactas e a sua concepção deve induzir velocidades de circulação mais moderadas, até 35 km/h.”
“O número de pontos conflitos aumenta em função do número de pistas no anel de circulação. A velocidade de circulação é superior numa situação de mais do que uma pista no anel de circulação.”
“Um anel de circulação demasiado largo permite a ultrapassagem do ciclista podendo originar acidentes.”
Brasileiro de Salvador, Bahia, residente desde 2015 na Covilhã, Cova da Beira, Portugal. Arquiteto especialista em urbanismo sustentável, atualmente faz doutoramento em Sociologia na UBI. Pesquisa questões que relacionam a mobilidade, participação pública e o despovoamento do interior.