A empresa que foi constituída apenas três dias antes de assinar um contrato com o Estado para a exploração de uma mina de Lítio em Montalegre comunicou ter um milhão de euros de capital social. Afinal, revela o Correio da Manhã, tinha só 50 mil. Ainda assim conseguiu um contrato que pode render 380 milhões em 20 anos.
Uma reportagem transmitida no programa Sexta às Nove a semana passada lançou suspeitas sobre a concessão da exploração de lítio em Montalegre. A empresa que ficou com esta concessão por 35 anos, a Lusorecursos Portugal Lithium, tinha sido constituída apenas três dias antes da assinatura do contrato sem ter sido feito um estudo de impacto ambiental.
Para além disto, o pedido de prospeção de lítio tinha sido feito por uma empresa diferente que tinha como beneficiários António Marques, ex-presidente da Associação Industrial do Minho, e Ricardo Pinheiro denominada Lusorecursos SA. A nova empresa chamada Lusorecursos Portugal Lithium foi constituída apenas a 25 de março de 2019 e tinha já uma mudança no elenco, sendo protagonistas Ricardo Pinheiro e José Torre da Silva. Por isso, António Marques processou o Ministério do Ambiente requerendo a anulação do despacho de concessão a esta empresa. Recorde-se, o ex-dirigente da AIMinho tinha sido constituído arguido em dezembro do ano passado por fraude relacionada com desvio de fundos euros e criação de dez empresas falsas nesse âmbito.
Capital social baixo, lucro possível alto
Esta sexta-feira, é a vez do Correio da Manhã colocar novas dúvidas sobre este processo. De acordo com este jornal, há divergências entre o capital social apresentado pela empresa em novembro de 2018, tendo nessa altura declarado à Direcção-Geral de Energia e Geologia um capital social de um milhão de euros, e posteriormente, quando o contrato de concessão foi aprovado quando se revelou que afinal o capital social era de apenas 50 mil euros. Assim, um negócio que pode gerar ganhos de 380 milhões de euros em 20 anos, foi ganho por uma empresa com um capital social relativamente diminuto.
O baixo capital social contrasta também com a necessidade de investimento do projeto. Serão necessários 300 milhões de euros para o concretizar.
O Secretário de Estado João Galamba esclarece que não há aí qualquer ilegalidade e que se a empresa não garantir financiamente perde o contrato. O mesmo alega sobre a concessão ter sido feita sem estudo de impacto ambiental, alertando que esta é condicional a uma posterior Declaração de Impacte Ambiental positiva. E lança as responsabilidades da concessão para o governo anterior do PSD-CDS que tinha garantido direitos à empresa Lusorecursos SA em 2012 considerando que o que se passa é que agora a “estrutura accionista” é outra.
Jorge Costa Oliveira: do governo para o negócio do lítio
Devido às questões de financiamento, o ex-secretário de Estado da Internacionalização, Jorge Costa Oliveira, torna-se uma peça chave no processo. Saiu do governo em julho de 2017, na sequência da investigação sobre as viagens de três secretários de Estado a Paris para ver jogar a selecção nacional de futebol a convite da Galp. Foi a seguir contratado pela empresa “mineira” como consultor financeiro com o objetivo de conseguir o financiamento internacional indispensável para a implementação da mina de lítio em Montalegre.
Três meses da entrada do ex-governante para o cargo, a concessão foi aprovada. Costa Oliveira tinha declarado à RTP que não tinha influenciado o processo, admitindo porém que tinha tido “conversas informais com os seus ex-colegas de Governo”. Mas esta quinta-feira, em carta aberta à responsável pelo programa, Sandra Felgueiras, escreve: “para que não subsistam dúvidas, não falei com qualquer membro do Governo sobre o contrato de concessão”, referindo que apenas conheceu em abril passado numa reunião o Secretário de Estado da Energia do anterior Governo.
Artigo publicado em Esquerda.net