“A REFOOD tem como missão resgatar alimentos, alimentar as pessoas e incluir toda a comunidade local, co-criando uma sociedade mais sustentável, justa e solidária.”, lê-se no site deste projeto, que é internacional, e conta já com mais de 60 núcleos em Portugal.
Intitula-se como um movimento “independente, sustentável, 100% voluntário, democrático, orientado por cidadãos e organizado em comunidades locais.” O projeto de voluntariado tenta assim dar resposta a dois problemas sociais: o desperdício alimentar e a carência alimentar.
Em pleno centro de Viseu, num espaço cedido pela Santa Casa da Misericórdia, o núcleo de Viseu surge em março de 2021, precisamente no momento em que a pandemia da COVID-19 se instala em Portugal e leva o país ao confinamento obrigatório. “No início começamos com a distribuição de porta a porta.” Iam buscar a comida aos restaurantes e entregavam diretamente em casa dos beneficiários. “Inicialmente tínhamos 15 famílias, neste momento estamos com mais de 100. Foi assim um aumento muito grande.”, explica Filomena Nunes, voluntária e coordenadora da equipa de Beneficiários do núcleo de Viseu.
Com cerca de 70 voluntários envolvidos, que fazem 15 turnos por semana, o apoio social que prestam tem-se intensificado ao longo dos últimos anos. Em abril de 2021 a ReFood apoiava cerca de 60 pessoas, aumentando o número de beneficiários para 135 em 2022 e para 294 pessoas, em abril de 2023.
Em meados de 2022, houve um “boom exponencial” de famílias provenientes do Brasil. “Neste momento, mais de metade dos nossos beneficiários são brasileiros.” Mas apoiam também “ucranianos, indianos, cabo-verdianos e angolanos”, ou seja, mais de metade são famílias imigrantes, o que revela maior dificuldade percebida por pessoas migrantes com o aumento do custo de vida no país. Segundo dados fornecidos pela coordenadora, o núcleo de Viseu ajuda, neste momento, cerca de 53 famílias estrangeiras.
O número de beneficiários varia muito, tanto pode subir como baixar.
O perfil sociológico dos beneficiários é diverso. As idades variam muito e a maioria são mulheres. Os beneficiários têm vários estatutos, desde pessoas com formação superior, mas que neste momento não conseguem fazer face às despesas, a famílias em que um dos elementos ou até os dois perderam o emprego.
“Temos pessoas que estão a trabalhar e que, por exemplo, a mulher ou o marido metem baixa e pontualmente precisam deste tipo de apoio. Temos muitas pessoas com RSI, sem-abrigos, pessoas que têm uma vida mais ou menos estável, mas que infelizmente por alguma dívida ou despesa que apareceu, acabam por nos vir pedir ajuda por isso.” No caso de alguns idosos ou de pessoas com doenças que impossibilita a sua mobilidade, a ReFood leva diretamente a comida a casa destas pessoas. “As famílias que se mantém desde o início são famílias portuguesas que por questões de saúde ou pela idade não conseguem arranjar forma de sustento.”
No entanto, há famílias que conseguem estabilizar a sua vida e arranjar emprego, deixando assim de precisar deste apoio. “Às vezes recebemos mensagens para agradecer o apoio, e eu tenho sempre o cuidado de enviar estas mensagens para os voluntários saberem que fomos úteis”, naquele momento difícil.
“Outra ajuda que temos é de uma pastelaria que oferece um bolo de aniversário” para as crianças mais novas. Uma família de brasileiros que chegou há pouco tempo a Viseu e não teve tempo de arranjar um bolo para a filha e “foi uma alegria muito grande para os miúdos”. “É sempre emocionante ver as mensagens de agradecimento“.
Sobre se o Estado dá ou deveria dar resposta a estes problemas sociais, a coordenadora de Viseu considera que seria importante que houvesse ajuda estatal. “Não sei até que ponto o apoio que eles podem dar esteja a ser dado. Por exemplo, nós temos instituições daqui que sabem que nós temos este tipo de apoio e referenciam para cá as pessoas. Veem-nos bater aqui à porta pedir alimentação.”
“Nós não recusamos comida a ninguém, sempre que aparece alguém com fome, nós damos comida.”
Estruturas que deveriam dar resposta a pessoas em situação de grande vulnerabilidade social estão a encaminhar esses casos para a ReFood. A ReFood está a tentar criar um contacto mais direto com algumas instituições públicas, de forma a que se crie uma melhor comunicação entre instituições e como melhorar a ajuda destas pessoas.
“O que pedimos às instituições é que nos contactem primeiro, que nos dêem os contactos das pessoas e nós entramos em contacto com as mesmas.”, sublinha a coordenadora.
“Tivemos reuniões há pouco tempo com pessoal do RSI, da Câmara Municipal de Viseu, da Junta de Freguesia, da Cáritas, que são instituições que também dão este tipo de apoio.” O núcleo de Viseu tenta que haja um circuito em que sejam as próprias instituições que encaminhem as pessoas, em vez de serem elas a contactar a ReFood.
As pessoas também podem inscrever-se diretamente no site da ReFood, tanto voluntários como beneficiários. “Assim que haja um contacto, nós temos uma lista de espera em que são contactadas ao final do dia ou ao fim-de-semana para fazer a ficha de inscrição e introduzir no mapa.”
“Neste momento não temos nenhuma ligação direta com a Segurança Social.” Muitas das pessoas que chegam à ReFood vêem por exemplo dos próprios voluntários, da Junta de Freguesia, ou directamente das escolas, através das assistentes sociais ou psicólogas, “por causa de alunos”, quando “sentem que há alguma dificuldade” nas famílias. “Temos também algumas voluntárias que são professoras e através delas” chegam esses pedidos de ajuda.
Depois da inscrição, é feita uma triagem para compreender a prioridade de cada família, por exemplo, “uma família de quatro ou cinco crianças e uma pessoas que vive sozinha, se calhar damos prioridade à família com as crianças, apesar de não ser muito justo, mas toca-nos esta parte mais social.”
No entanto, a ajuda que o núcleo de Viseu da ReFood presta neste momento não é suficiente, lamenta Filomena Nunes. Considera que o ideal seria os beneficiários receberem cabazes diariamente. Mas para dar essa resposta diária seriam necessários mais recursos humanos, logísticos e mais comida.
Neste momento, a grande maioria dos beneficiários recebe mais de dois cabazes de comida por semana, mas há casos em que as pessoas recebem uma vez por semana, “mas já são muito poucas” e foi por opção delas, ou porque o cabaz que recebem é suficiente para a semana toda.
Houve uma altura em que tiveram de reduzir os dias porque receberam muitos pedidos, logo a seguir ao Natal, entre janeiro e fevereiro, mas depois conseguiram voltar a dar comida entre duas a três vezes por semana. “Se as pessoas precisam mesmo, uma vez por semana é muito pouco”.
“Isto é comida que ia para o lixo”
Por vezes os voluntários fazem campanhas de recolha de comida, mas também de taparueres, de caixas de plástico, embalagens de gelados ou de outros alimentos, que são depois reutilizados e aproveitados para armazenar a comida para os beneficiários. Aqui junta-se a segunda vertente, a ambiental, de combate ao desperdício alimentar. Filomena considera ser “super importante”. “Isto é comida que ia para o lixo. E nós conseguimos desta forma acabar por dar utilidade a esta comida, que é comida boa!”