“O sector cultural já estava em estado de emergência muito antes desta crise pandémica”

Foto de ST Produções Teatrais | Flickr
Após o TV FEST,  festival organizado pelo Ministério da Cultura que iria distribuir um milhão de euros por vários participantes do meio musical, ser cancelado devido a uma petição que pedia um cancelamento do festival, e que em menos de 24 horas recolheu mais de 20 mil assinaturas. O Interior do Avesso colocou algumas questões sobre o TV FEST, e não só, à ASTA e à Terceira Pessoa, ambos projetos artísticos do distrito de Castelo Branco.

O Ministério da Cultura deve ser o órgão que promove a política cultural em Portugal, deixando a gestão para as estruturas, curadores, promotores, directores artísticos, promotores, entre outros. Portanto, a criação do TV Fest tinha vários problemas à partida, como a contradição de pôr o Ministério a substituir-se as estes profissionais, bem como o facto de se focar apenas na música, deixando de parte outras vertentes artísticas e culturais. A ASTA e a Terceira Pessoa concordam em que a tutela não se deve substituir aos agentes culturais e a ASTA afirma que o Ministério deverá “promover modelos de apoio direto às estruturas e aos artistas, modelos equitativos e que foquem as várias áreas artísticas e não áreas específicas e em particular. Esses apoios deverão passar por apoios diretos (financeiro – aumento da verba existente para apoios – no mínimo, 1% do orçamento do Estado para a Cultura e, diferenciação entre apoio a estruturas e artistas de produção artística, estruturas de programação, e outras áreas da cultura, mas, e fundamentalmente, separação entre o apoio ao setor cultural do apoio ao Setor da Comunicação Social Pública) e, indireto (por exemplo, a redução de impostos e taxas”, entre outros. A Terceira Pessoa, um coletivo multidisciplinar, que integra profissionais de várias linguagens artísticas e com sede na cidade de Castelo Branco, refere que “enquanto órgão promotor da política cultural de um país, espera-se do Ministério da Cultura um pensamento sólido e estratégico na construção de um futuro. Nada disto deverá ser exclusivo do momento de crise que atravessamos, mas antes uma constância de forma a garantir estabilidade ao sector cultural, que sempre sofreu de uma profunda instabilidade. Podemos afirmar que o sector cultural já estava em estado de emergência muito antes desta crise pandémica. É aliás essa precariedade em que o meio artístico vive de forma continuada que emergiu imediatamente, assim que este estado de confinamento se iniciou e a maioria dos artistas se viu numa situação de desemprego e sem qualquer tipo de proteção social que lhes permitisse os meios mínimos para a sua subsistência. Neste momento pensamos ser urgente que as medidas tenham em conta dois tempos: o imediato e o futuro. Por um lado, é impossível pensar apenas no futuro porque está em causa a sobrevivência das pessoas no presente. Nesse sentido, as medidas imediatas poderiam ser articuladas com outros Ministérios como o da Segurança Social, por exemplo. A título de exemplo, uma medida possível e instaurada já de forma permanente em países como a França é a garantia de um estatuto dos intermitentes, que garante a cada artista em situação de desemprego uma compensação calculada a partir da média mensal de rendimentos do ano anterior. É necessário que os profissionais da cultura sejam incluídos em medidas de apoio social, como por exemplo o hipotético mas não por isso menos necessário rendimento básico incondicional. Isto seriam formas de valorização dos profissionais do sector e também de garantia de uma maior estabilidade para que possam focar a sua energia no trabalho que efetivamente estão dotados para fazer. Por outro lado urge também tomar decisões que não são temporárias, mas que permitam pensar em termos de futuro”. 

O Interior do Avesso também quis saber como pode o Ministério da Cultura garantir que todos os intervenientes culturais estariam em pé de igualdade. A Terceira Pessoa salienta o papel das autarquias afirmando que “os apoios públicos devem reger-se por critérios de transparência, justiça e imparcialidade, que sejam acessíveis a todos de igual forma. Pensamos que uma das problemáticas levantadas nesta questão tem que ver com a escala e aí existe de facto uma necessidade de maior articulação entre o estado central e os organismos de gestão locais, que devem estar mais próximos das estruturas e projetos locais, bem como das populações. Os municípios podem e devem ser aqui agentes facilitadores e de criação dessa proximidade.” A ASTA, um coletivo profissional fundado em 2000, que tem por base o teatro e com sede na Covilhã, propõe um Plano Cultural Nacional e considera que se deve começar  “por perspetivar de forma distinta o tecido nacional cultural, ou seja, é fundamental o reconhecimento das atividades e da presença cultural a nível regional, pois obedecem a realidades distintas das próprias regiões, logo repensar a aposta cultural como pertença de um todo, mas com as devidas ressalvas do ponto de vista local e regional e a implementação de uma Política Cultural Nacional coerente e adequada à diversidade cultural nacional (regional e local)”. 

Por fim, o Interior do Avesso quis saber a opinião destes dois coletivos relativamente ao TV FEST. A ASTA disse que “claro que é questionável, pois mais uma vez o acesso de todos não é cumprido. Deverse-ia logo numa primeira fase, terem-se criado meios, uma forma, em que o acesso fosse possível a toda a gente, e aí se manter o critério de equidade e não o que foi feito. Novamente aconteceu o que normalmente acontece, a nível do reconhecimento e valorização quer por parte de artistas, estruturas ou mesmo muitas das vezes iniciativas culturais regionais, em que o trabalho não é reconhecido e os meios não são os mesmos para todos”. A resposta da Terceira Pessoa foi no mesmo sentido e afirma que a iniciativa começou, logo à partida, mal porque “o problema com essa iniciativa está, a nosso ver, logo na sua raiz. O Ministério da Cultura não pode, em qualquer instância, criar um festival de que género for, para apoiar quem quer que seja de forma exclusiva (e não através de processos transparentes a que todos possam aceder…). Não cabe ao estado criar eventos de cultura. Para isso existem os agentes culturais, promotores, curadores, diretores artísticos e artistas que temos em todo o país. O estado tem sim a missão de criar condições estratégicas e financeiras para que os projetos aconteçam, sejam promovidos e apoiados, em diálogo concertado com os mais variados agentes culturais, e tendo em conta as suas especificidades artísticas e técnicas, bem como pela sua geografia de ação no país”.

(Escrito por DG)

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