Podia começar pela evidência que o interior está despovoado. Para além de já toda a gente ter percebido isso, já o disse em vários textos. No entanto, no momento em que escrevo estas linhas, é precisamente a única altura do ano em que a primeira frase tende a não ser verdadeira.
Nos concelhos do interior do país, essencialmente nos mais pequenos (muito provavelmente pela maior ligação sentimental), os imigrantes continuam religiosamente ano após ano a regressar para visitar familiares e para matar saudades das paisagens únicas deste território. A população dobra ou triplica em algumas localidades, e faz com que o interior fique com o número de pessoas anterior ao despovoamento na sua forma mais dramática.
Em agosto, temos festas e festinhas em praticamente todas as aldeias, o que dá necessariamente vida às localidades. Vemos muita gente nas ruas, nos mercados, nos cafés e nos restaurantes. Os pequenos comerciantes têm este mês para se desafogar. Os mais velhos, matam saudades de filhos e netos que em muitos dos casos veem apenas uma vez por ano.
Tudo parece estar bem num momento em que o interior fica, por umas semanas, povoado. Quando nos queixamos de um interior cada vez mais despovoado e ao abandono, estaremos nós a desejar que seja agosto durante todo ano?
Jóni Ledo, de 32 anos, é natural de Valtorno, concelho de Vila Flor. É licenciado em Psicologia pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, instituição onde também concluiu o Mestrado em Psicologia da Educação. Frequenta atualmente o 3ºano da Licenciatura em Economia na mesma instituição. Foi Deputado na Assembleia Municipal de Vila Flor pelo BE entre 2009 e 2021. É ativista na Catarse | Movimento Social e cronista no Interior do Avesso. É atualmente dirigente distrital e nacional do Bloco de Esquerda. É atualmente estudante de Doutoramento em Psicologia Clínica e da Saúde na Universidade da Beira Interior.