Despovoamento por etapas

Nasci há cerca de 29 anos num distrito que já na altura estava a perder população, na extinta maternidade de Mirandela. A palavra extinção começa aqui! Na aldeia da qual sou natural, Valtorno, Concelho de Vila Flor, viviam mais de 200 pessoas, no início da década de 90, neste momento são cerca de metade. Havia médico uma vez por semana na aldeia e em Vila Flor havia urgências, tribunal com as devidas valências, estação de Correio e sobretudo, pessoas. Éramos mais de 8000 pessoas a contemplar as paisagens deste belíssimo concelho. É certo que já era um Concelho com baixa densidade populacional e que já estava a perder população, mas ainda tinha serviços, terras cultivadas, crianças e uma população triplicada no mês de agosto. Na aldeia, olhávamos para a sede de Município, Vila Flor, como a civilização próxima, e eis que o primeiro êxodo se dá.

Uns anos mais tarde, após as aldeias começarem a ficar entregues à grama e às giestas e da sede de Município já não ser suficiente, o êxodo começa a dar-se para as cidades mais próximas (Bragança, Mirandela, Vila Real). Ao mesmo tempo que a perda populacional se fazia sentir, a solução dos sucessivos governos foi extinguir serviços, como uma forma de dar o definitivo empurrão para o abandono destes Concelhos.

Quando começam a existir Concelhos que parecem eucaliptos, que secam tudo à sua volta todos perdemos, pois o que aconteceu com as aldeias e Vilas, viria a acontecer com a maioria destas cidades do Interior.

O meu Concelho perdeu em 20 anos 2000 pessoas, cerca de 25% da população. A realidade dos Concelhos vizinhos e do interior do país é praticamente a mesma em maior ou menor escala. Mais uma vez persiste a eterna dúvida: Perdemos serviços porque perdemos população ou perdemos população porque perdemos serviços? Acho que será um pouco de ambas e que uma levará necessariamente à outra.
No entanto, não me permito ser pessimista para com o “meu” interior, para Trás-os-Montes em particular. É necessário virar o bico ao prego e inverter as políticas que nos levaram à terra queimada e às casas abandonadas e é necessária uma atenção redobrada para com estas pessoas, afinal de contas, o território também tem que ser preservado e respeitado e é isso que nós, do interior, fazemos.

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Jóni Ledo, de 32 anos, é natural de Valtorno, concelho de Vila Flor. É licenciado em Psicologia pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, instituição onde também concluiu o Mestrado em Psicologia da Educação. Frequenta atualmente o 3ºano da Licenciatura em Economia na mesma instituição. Foi Deputado na Assembleia Municipal de Vila Flor pelo BE entre 2009 e 2021. É ativista na Catarse | Movimento Social e cronista no Interior do Avesso. É atualmente dirigente distrital e nacional do Bloco de Esquerda. É atualmente estudante de Doutoramento em Psicologia Clínica e da Saúde na Universidade da Beira Interior.

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