Há fumo e há fogo!

Foto de Antena 21 | Facebook
Na tarde do dia 13 de setembro passado, decorria em Valongo, aldeia do concelho de Valpaços, distrito de Vila Real, um incêndio que mobilizou cerca de 300 bombeiros, 103 veículos e alguns meios aéreos. Deste incêndio resultou a destruição de 3 casas, uma vasta área ardida, com consequências nas culturas agrícolas. Segundo populares, tudo em volta da aldeia ardeu, e afetou castanheiros, oliveiras, vinhas… Alguns habitantes durante a noite chegaram a ver as chamas a 100 metros das suas casas.

A aldeia de Valongo, à semelhança do que acontece com tantas outras aldeias do distrito e do interior do país, é essencialmente habitada por população idosa, onde encontramos muitas casas degradadas e abandonadas, mas também várias vivendas e construções recentes, cujos proprietários são emigrantes, e se encontram desabitadas durante a maior parte do ano. Em Valongo há realmente alguma produção agrícola, mas também há muitos terrenos abandonados.
Em consequência do envelhecimento da população também aí se tem vindo a verificar um contínuo abandono das propriedades e uma ausência de intervenção silvícola e gestão dos povoamentos.

Quando arde a floresta, o meu pensamento primordial é: quem a estava a cuidar para que não ardesse? Afinal quem cuida e como cuida da floresta?

Para responder a isso começo por procurar os Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PMDFCI). Pelo menos, nos três municípios onde procuro, Chaves, Valpaços e Montalegre há informação online de PMDFCI atualizados. No caso de Valpaços, o plano de 2016-2020 é indicado na página oficial do Município como aprovado, é possível consultar o caderno I – diagnóstico, mas o caderno II – Plano de Ação, não estava disponível online. Consultando estes documentos conseguimos perceber dados importantes, entre outros, as causas, a distribuição das ocorrências e da detenção dos incêndios.

Por exemplo, no PMDFCI do Município de Chaves (2015-2019), refere-se que a maior incidência de incêndios florestais é ao fim-de-semana. Considerando-se inclusivé que em 2014 o sábado é denominado o dia negro em termos de área ardida. No que se refere às fontes de alerta das ocorrências, nos PMDFCI de ambos municípios é referido que a maior parte dos alertas são dados pelos populares. Por exemplo, em Chaves entre 2002-2014, constituiu 40% das ocorrências. Denota isto, talvez, alguma desatenção por parte do pessoal afeto à vigilância? Será que a extinção em 2006 do Corpo Nacional da Guarda Florestal (CNGF) contribuiu para melhorar o alerta e a vigilância?

Segundo o quinto Relatório Provisório de Incêndios Rurais de 2019, desde o início do ano até 31 de agosto, já vamos com 28552 ha de área ardida em Portugal continental e com 8082 fogos rurais. No mesmo documento podemos observar, por exemplo, que da totalidade de incêndios rurais, 74% foram investigados e a investigação permitiu apurar as causas de 3963 incêndios (66% dos investigados). Assim, chegou-se à conclusão que 25% das causas de fogos são atribuídas a incendiarismo – imputáveis e 40% ao somatório de vários tipos de queimadas. Voltando aos PMDFCI dos Municípios de Chaves e Valpaços verificamos que ambos referem, precisamente, que a maior parte das causas dos incêndios florestais rurais são as queimadas e incendiarismo.

Mas, voltando à questão da vigilância e prevenção, uma notícia do Público de 3 de agosto de 2018, referia-se a uma diversificada e complementar operação, precisamente de vigilância e prevenção, envolvendo agentes da GNR, SEPNA, GIPS. Salvaguardando contudo a competência dos agentes, pergunto-me: Até que ponto estas forças estão coordenadas, articuladas e especializadas na vigilância da Floresta?

Ao falar de incêndios, acabamos sempre a falar noutras questões, entre as quais: o despovoamento e o abandono das propriedades agrícolas, a falta de vigilância e falta de cuidado e gestão da floresta, bem como as tão mencionadas alterações climáticas.

Precisamos efetivamente de políticas florestais assentes na boa gestão do território. A gestão, faz-se essencialmente a nível local, mas para isso os municípios ou as regiões, precisam de verbas que sejam especificamente direcionadas para a prevenção e para a gestão dos espaços florestais, de acordo com as especificidades locais de forma sustentável concebendo as alterações a longo prazo, não só ao nível de clima mas também da adaptabilidade de espécies e ecossistemas na consequências das alterações climáticas.

Há, ainda, quem opine que o ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas) poderia dar melhor exemplo na gestão dos espaços florestais e que faz falta apoiar os privados, nomeadamente a população mais envelhecida, na gestão dos espaços florestais.

Se nos debruçarmos ainda sobre o quinto Relatório Provisório de Incêndios Rurais de 2019, e focando-nos em dados do nosso distrito, Vila Real, deparamos que quanto a área ardida, Montalegre localiza-se em sétimo lugar como o concelho com maior área ardida. Por sua vez, Vila Real é o nono concelho do país com maior número de incêndios rurais.

Já diz o adágio popular: Com o fogo não se brinca! Mas, é impossível ficar indiferente ao fato de que os fogos não são levados a sério pelo governo do nosso país, quando, pelos vistos as golas antifumo – que afinal não eram golas a sério – são o elemento principal de um enredo, onde os indícios de crime de participação económica em negócio e o desvio de fundos que poderiam servir à proteção e prevenção, são coisas sérias.

Outros artigos deste autor >

Nasceu em Chaves no ano de 1979.
Licenciada em Ensino Biologia-Geologia pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, no ano de 2001. Mestre em Ciências de Educação - Especialização em Animação Sociocultural pela UTAD. Frequentou o 2.°ciclo do curso Bietápico de Licenciatura em Engenharia do Ambiente e do Território do Instituto Politécnico de Bragança.
Lecionou, como docente contratada do grupo de Biologia e Geologia, em várias escolas do país.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Related Posts
25 de Abril de 1974
Ler Mais

25 de abril ou a pátria das mulheres e dos homens livres

O 25 de abril é talvez o nosso feriado civil mais importante, quer dizer, principalmente para o nosso “povo de esquerda” ou, de forma mais ampla, para aqueles que se recusam a aceitar as virtudes do regime fascista ou um qualquer retorno a uma situação política antes da instituição da democracia (apesar dos seus muitíssimos limites sociais, económicos e políticos, e de tudo o que esta deixou por cumprir).
Racismo/ Violência
Ler Mais

Liberdade de expressão e racismo

“E defender, em nome de uma conceção vaga e etérea de liberdade, a liberdade de proferir juízos racistas acaba por redundar não numa defesa aparentemente democrática e incondicional da “liberdade da opinião” mas na normalização do racismo a tout court.”
Ler Mais

Sobre as multifaces de Rui Rio

Foto por European People’s Party, CC BY 2.0 <https://creativecommons.org/licenses/by/2.0>, via Wikimedia CommonsRui Rio é um tipo esperto. Oferece…
Skip to content