Na última crónica abordamos alguns indicadores, estatísticas e dimensões diversas, que nos permitem caracterizar a população com deficiência em Portugal, e com dados emanados do primeiro relatório do Observatório para a Deficiência e Direitos Humanos (ODDH). Números anteriores, referentes a 2017, que importa agora nesta realidade pandémica e tão difícil que vivenciamos neste passado ano de 2020 atualizar. Com efeito, o conhecimento sistemático e apurado destes indicadores permite-nos perceber qual a real implementação da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CSDPD) e das políticas dirigidas às pessoas com deficiência no nosso país.
Num primeiro ponto comparamos a discriminação com base na deficiência e refletimos que os números de 2016 correspondiam a 284 queixas, enquanto que no ano de 2020 são consideradas 1274. Se observarmos os números de 2018 temos 911 queixas, portanto, um aumento de 40%. Faltará aqui cogitar, obviamente, qual o número de queixas que ficam por reportar, quer ao Instituto Nacional para a Reabilitação (INR), quer a outras entidades nacionais. A larga maioria destas queixas prendem-se com a ausência de acessibilidades e com a adoção de procedimentos que condicionam ou limitam a prática do exercício de qualquer direito. Na verdade, se situarmos Portugal no contexto europeu, o nosso país é o segundo pior no que respeita a este indicador sendo ultrapassado apenas pela França, respetivamente 58% e 63%.
No que toca à educação e como segundo ponto de reflexão, a percentagem de jovens com idades entre 18 a 29 anos, em 2018 e que não completam o ensino secundário, situa-se nos 32%. A percentagem nos jovens da mesma idade e sem deficiência é de 16,4%. Números absolutamente discrepantes e esmagadores, que conduzem à não inclusão das pessoas com deficiência na comunidade e que sugere a eterna questão: onde está a Educação Inclusiva? Embora os números do secundário sejam preocupantes, o acesso ao ensino superior vê melhores dias, registando um aumento de 22,7% por comparação a 2019. Assim, de acordo com a Direcção-Geral do Ensino Superior, foram colocados em 2020 nas nossas universidades, 384 estudantes com deficiência através do contingente especial. Efetivamente estes números são positivos, mas não deixamos de nos questionar sobre se estes alunos terminam ou não os estudos superiores e tão ou mais importante, sobre qual o acompanhamento e a qualidade do mesmo recebido ao longo do percurso académico efetuado.
Fazendo a ligação para o trabalho e emprego, o nosso terceiro ponto de abordagem, existem melhorias significativas nos dados relativos à taxa de emprego que evidenciam, em 2018, que 58,4% dos portugueses com deficiência trabalhavam. Valor percentual acima da média da União Europeia, que se situava nos 50,8%. No entanto, indicadores de empregabilidade não nos mostram se falamos de trabalho precário ou não precário, por exemplo. Ou então com o recurso por parte dos privados e do setor público a apoios do Instituto do Emprego e Formação Profissional, consubstanciados na eternidade de estágios profissionais. Na outra face da moeda e no que toca à taxa de desemprego, que se situa em 18,6% no nosso país, constata-se que as pessoas com deficiência são as primeiras a serem atingidas e a sentirem na pele as crises, sejam elas financeiras, sejam elas sanitárias. Não deixando de terminar e referindo as diferenças entre taxas de desemprego de pessoas com e sem deficiência, em 2018: 18,6% e 11%.
Na próxima crónica, além de esmiuçarmos um pouco mais as três temáticas sobre os quais escrevemos, abordaremos questões relacionadas com a proteção social dirigida às pessoas com deficiência e também sobre as condições de vida que existem em Portugal para a nossa população. Sim, porque viver não é só respirar!
Mário Gonçalves é licenciado em Psicologia e mestre em Psicologia Clínica. É coordenador da Associação CVI - Centro de Vida Independente – delegação distrital de Vila Real e dirigente associativo. A convite do Município de Vila Real esteve envolvido no Programa Erasmus+Role Models, idealizado pela Agência Nacional Erasmus+, o qual teve como principal objetivo encorajar uma cidadania ativa e o compromisso com os valores europeus da tolerância e não-discriminação, através da
educação e formação. Foi também assistente convidado no Departamento de Educação e Psicologia da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Desenvolve e dinamiza projetos como ativista em prol dos direitos das pessoas com deficiência e em prol da Vida Independente. Englobando matérias como a comunicação, a acessibilidade, a habitação, o emprego, a educação, o desporto, a cultura ou a participação cívica e política. Atualmente é diretor técnico do Centro de Apoio à Vida Independente afeto à Associação CVI, zona Norte, que une as delegações do Porto e de Vila Real no âmbito dos projetos-piloto do Modelo de Apoio à Vida Independente (MAVI), que se iniciou em 2019.