Sou um artista…
Sou um artista!
Um artista sem obra,
Tal fonte sem água,
Fonte seca que respira secamente
Sob um céu húmido e estrelado,
E bafeja, lamentando, pequenas gotas de água
Escorridas pelo vento.
Fonte seca com pó entranhado entre as pedras
Almejando correr a água que sente
correr por entre os seus canos cansados,
Empenados,
Envelhecidos,
Enferrujados,
Esquecidos,
Da água que segura
E almeja deitar com um suspirar.
Mas o bafejo lamentoso
Não tem a força dum suspiro ruidoso.
Então, continua a fonte seca a bafejar
Para não incomodar
Com o barulho do seu cantar,
Tremendo as suas pedras
Com a chuva que cai sobre as suas mãos vedras
Da secura.
Como é duro ser fonte seca
Pulsando água dentro de si.
E ser artista sem obra,
Sentindo a arte nas veias,
Rasgando pele,
Desviscerando o ventre,
Libertando todo o fel
Sobre a carpete poeirenta
Em que estava deitado,
Mergulhado nesse sangue,
Numa tentativa infame de que a arte saia…
(Notas do autor: Recomendo a audição de “Inquietação” interpretado por Camané e Dead Combo. Se já leu, atreva-se a reler ouvindo esta “Inquietação”)