Estou sentada na varanda da minha casa. São 21h21 da noite. As horas casam, peço um desejo e surge-me a vontade súbita (ainda que perene e desde há muito) de permanecer aqui para sempre. Aqui, na varanda, a ouvir música, a escrever. A música que ouço entrelaça-se no som das cigarras. Cigarras estas que anunciam a chegada das noites quentes, das noites que apetecem. Sinto a natureza em meu redor, sinto-me em casa. Dispersa em contemplações (observar é tão bom), penso na sorte. Na sorte que tenho. Na sorte que tenho por ter uma casa. Na sorte que tenho por poder ter um computador e poder estar a escrever neste momento (ainda que, o valor do papel e da escrita à mão seja sempre primordial). Na sorte que tenho por respirar ar puro e admirar o verde e o colorido à minha volta. Surge daqui o paradoxo; o paradoxo onde o pensamento cruza com a realidade. Passo a explicar: vivo no Interior de Portugal, mais propriamente, na Beira Alta. Irrompe-se-me a importância de falar do interior. Interior este que é cheio de desatinos. Se por um lado traz tanta felicidade, pela beleza inerente, pela doçura dos campos e das pessoas; por outro lado, também traz dissabores, pelo isolamento das pessoas doces, pela destruição dos campos delicados. Eu tenho a ventura de ter um computador. Eu tenho o fortúnio de poder contactar com amigos a quilómetros de distância. Eu tenho a sorte de poder usufruir da internet. Não obstante, não sou mais. Sou igual às pessoas que vivem isoladas nas muitas aldeias por este interior fora. Sou igual à pessoa que nada mais faz (sobretudo, porque não pode) do que dar de comida às suas ovelhas e regar as suas couves ou à criança que não tem um telemóvel (sobretudo, porque não pode). Sou igual à pessoa que apenas está e vê a vida passar-lhe ao lado (sobretudo, porque não pode). Mistura-se, assim, a vantagem e a desvantagem e ganha aso o provérbio de que não se pode ter tudo. Mas a questão é: terão estas pessoas mais nadas do que tudos ou mais tudos do que nadas? De certo que, a solidão é o pior nada. De certo que, a tristeza é o pior nada. De certo que, o desconhecido é o pior nada. E vive-se assim (aparentemente). Não tomo como regra nem como verdade absoluta estas afirmações, pois também existe tudo no interior. Nomeadamente, no interior das almas. Porque a partilha é o melhor tudo. Porque a reciprocidade é o melhor tudo. Porque a genuinidade é o melhor tudo. E o sermos uns dos outros, também. Por isso, sejamos uns dos outros. Corramos na direcção da junção certa entre o que é de fora e o que é de dentro, entre o que é interior e não-interior (leia-se, em sentido literal, litoral), entre o que é aparente e o que é profundo (leia-se, em sentido metafórico, o intrínseco ao ser humano). Não esquecendo que o mar também decorre no interior, na imensidão da singeleza. E de que as montanhas se materializam nos obstáculos (que, oxalá, sejam todos vencíveis um dia) e os campos no caminho da vida sempre necessário.
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