Para chegar ao telhado de colmo metam-se por uma estrada camarária, daquelas que são beneficiadas a cada trinta anos: a esperança é um todo-o-terreno por arrancar na linha de partida. Mas se querem mais, muito mais, tenho de inventar uma arqueologia: o telhado, as portas, as paredes e o chão. Intelectuais, venham antes de que isto vire uma ruína arqueológica, vale a pena guiar os turistas para estes torrões seculares, antes de que fiquem apenas os fantasmas. Desencantados? Vou procurar as personagens.
Fazendo que faz, vai fazendo. Não te posso dizer mais do que lá está. Uma porta de madeira, com protecções de folha-de-flandres, com duas letras garrafais pintadas de branco; três pedras de granito, com ar de templo xintoísta, na vertical uma escama de xisto com pedras de vários tamanhos. Quanto ao telhado já sabemos: telhas de 1927 da fábrica de cerâmica, ripas de madeira, colmo. Ao entrar, uma rampa leve de cimento, depois a madeira, com algum bicho, em pranchas paralelas ao chão, faz um ondulado subtil. Do lado oposto, uma espécie de cama, um alpendre com varapaus, de onde esticam do alto para baixo sacos imunes ao rato do campo. Não te posso dizer muito mais: algumas alfaias rudimentares, entre elas uma pá, com uma meia-lua de metal há muito desaparecida, e ainda uma vassoura de giesta. Algum lixo, algum grão, uns farelos de plástico, pedaços de madeira, no chão ou espetados nas paredes; cuidado com os olhos, ao abaixar a cabeça. Aparecem cerâmicas, estas últimas muito úteis neste tipo de recinto arqueológico, embora sejam cerâmicas ignoradas e das quais se ignora o valor, ou de quando são e porque estão ali, quem as deixou – que dieta tinham, quanto dinheiro tinham ou fariam troca directa, quais seriam as suas crenças e convicções? Ao atravessar as três pedras de granito, não me encontrei noutra realidade religiosa, não entrei num jardim japonês, simplesmente a temperatura tem um abaixamento térmico. E assim termina a descrição, rápida, como se eu te deixasse num ápice, depois de te dar uma mensagem epífana.
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