IX
Um acesso de sede fez Tiago descer a rua onde se encontra a gare para comprar álcool, limas, ou limões. Estava a fim de beber uma caipirinha. A galeria enche-se de gente. Uma moça trigueira debate-se com o seu trólei.
– Deixe estar, eu ajudo-a. É só um empurrão…
– Que simpático, acho que vou adorar esta cidade. A mala está provavelmente engatada numa coisa qualquer. Disse Solange.
– Ah! Sim, estou a ver! Ciciou Tiago dando um golpe ligeiro com a cabeça na porta hidráulica.
– Tenha cuidado com a cabeça, ai, ai, a culpa é minha, o que posso fazer por si? Replica urgentemente Solange.
– Deixe estar; poderá dar-me um cigarro?
Durante a cabeçada, Solange embate com o seu rabo nas virilhas de Tiago. Momento de dor, de excitação, de sobressalto intumesceu, como uma pedra, o seu sexo. Depois da transferência do cigarro acalmam e dialogam. Estão apresentados um ao outro, Tiago, Solange, e o cigarro foi a marca de água que selou subtilmente o momento de dor e excitação que tinha sucedido depois de uma cabeçada no porão do autocarro.
Sentiu esboços de um incêndio interior e bolbos de liquidez no seu sexo, a mulher era realmente atraente e era nova na cidade, isso fez soar as campainhas de Tiago, que não perdeu tempo, e malhou enquanto o ferro estava quente, convidando-a para tomar o pequeno-almoço com ele no próximo dia.
– Até amanhã! Despedem-se. Ela saiu a correr um pouco.
Oculto no apartamento, terminando a caipirinha, para ele não é necessário fazer descrições estapafúrdias e inconsequentes. Tinha necessidade de distrair a mente, esponjar-se como um animal de toda a realidade opressora. Palheiros, auto-estradas, a indemnização, imobiliárias, redundância, trabalho em part-time e minas de água, são apagados com urgência, surgiu uma nova necessidade. Atopou-a com facilidade na cafetaria, atalhou pelo mobiliário do café espampanante e meteu-se na cadeira. Solange despiu-o com o olhar, depois de ter retirado o olhar do menu. Na periferia os clientes da cafetaria olhavam, farejavam com militância e moralismo, enquanto iam falando tretas e bebiam cafés com leite e comiam torradas, numa cafetaria que não tinha necessidade de ser gourmet. Solange era ilustradora e designer, mas descobriu as potencialidades do seu corpo, depois de um curso intensivo de danças exóticas durante o Verão. Uma coisa puxa outra coisa, arranjou um contracto para dançarina exótica numa agência. Solange era um vulcão, um Krakatoa pronto a rebentar. As pessoas em volta não entendiam aquilo, começavam a rodopiar como ventoinhas, numa voluta de moralismo reprovador. Os funcionários pareciam divertidos, apareceram pontuais como relógios com as ordens.
Conversavam quando foram interrompidos pelo rebate das dez horas da manhã de uma igreja próxima. Uma conversa sobre cabeças rachadas e galos. Tiago sentia uma protuberância na nuca, que se agitou com o arrebatamento do sino.
– Espera, deixa passar as horas… este sino é um ofensor sensitivo!
Solange sorria com a piada jactante feita de improviso.
– Não consegui dormir, meu querido, o quarto do hotel, fazia frente com as traseiras de um edifício com máquinas de ar condicionado, um ruído metálico arruinou-me o sono, um ruído como que uma coluna de som avariada. Desabafa cansada, com o seu olhar obturando Tiago, de grande olheiras.
Vem-me agora à memória o verso de uma poesia ou diálogo teatral:
“O polícia
observando a mulher
até tu dormes
numa cidade
em que ninguém dorme
pelo menos tu
ainda consegues dormir.”
(Turismo, de Tiago Correia)