XIX
Tiago ouviu uma sirene derivando na paisagem ofegante do orvalho, tinha acontecido um acidente de viação na recém inaugurada auto-estrada, por certo o gelo de Janeiro fez das suas, e os bombeiros correm urgentemente para o acidente; fechou a porta do palheiro à chave e reforçou a segurança com a corda de poliéster, os pais pediram-lhe para confirmar se as portas estariam fechadas, depois do acto partiu como uma vertigem inexorável colina abaixo. No palheiro tinha admirado o tractor pintado de branco esmalte, é um ídolo, uma Porca de Murça mecânica, um hino à fertilidade dos solos, deixou um envelope com um documento para a empresa de decoração que o comprara recentemente, ordens de Solange; depois de muita conversa o pai de Tiago deixou ir o tractor. Depois da sirene se calar foi o momento da largada, Solange aguardava pelo táxi que os levaria ao aeroporto. Com um sentimento de honra, e muito dignamente, Tiago imaginava na sua mente um aperto de mão virtual e uma vénia para este palheiro que urra um gutural murmúrio do antepassado Camilo Terra, que o ama do seu repouso nas margens do Estige. O táxi arranca com os dois no banco traseiro, a selecção musical do taxista era um pouco invulgar, Rain, do pianista japonês, Ryuichi Sakamoto.