Findos os conflitos da Segunda Guerra Mundial, a Europa levanta-se de uma desastrosa guerra. Destruída em termos humanos e materiais, do pós-conflito nasce um apelo à união que instituísse uma entidade transfronteiriça. A CECA é a primeira afirmação de uma entidade que se viria a tornar numa das maiores potências mundiais. Mas mais importante que isso, o que viria a ser a primeira instituição que definia como princípios fundadores a igualdade, a liberdade e a solidariedade entre os países signatários. A União Europeia tornou-se no mais importante órgão mundial e foi nela que assentaram os valores que hoje se disseminam através da globalização.
Hoje, a União Europeia está doente. A União está a autodestruir-se por não ter lideranças que assentem o seu discurso nos princípios fundadores da União. Da crise financeira de 2008, resultou uma máquina perfeita de mudança dos regimes sociais de submeter a disputa pelos salários e demais direitos sociais pelo controlo doentio de transferir todo o rendimento para o capital. Das lutas sociais, das lutas sindicais, das lutas dos trabalhadores (resultantes da revolução industrial dos séculos XVII e XVIII) nasceu uma disputa ideológica sobre que regime devemos culpar.
Recentemente, a União Europeia outorgou a comparação do fascismo ao comunismo, numa tentativa de afastar os europeus dos extremos. Pois não resultou. E porquê? O fascismo é um movimento ultranacionalista, exaltando e promovendo o culto a uma nação ou raça em prol das outras, caracterizado pelo poder ditatorial por via da força que centra a sua mobilização para responder aos problemas económicos, ou seja, com base num sistema capitalista. O comunismo é uma ideologia política que reconhece a sociedade como igualitária, sem classes e apartidária, baseada na propriedade comum, ou seja, o marxismo – sistema económico que tem por base a luta de classes para a mudança económica.
Ora, comparar o fascismo com o comunismo é comparar o fascismo com o antifascismo. É desvirtuar o ónus da Segunda Guerra Mundial. Foi a Alemanha que invadiu a URSS e não o oposto. Foi a URSS que não permitiu o avanço das tropas alemãs.
Obviamente que o regime estalinista deve ser condenado. Aliás, a Isabel Moreira escreveu no Expresso um artigo2 que mostra muito bem a diferença entre comunismo, fascismo e estalinismo: “o comunismo é uma ideologia, com carácter utópico, como todas, que visa um objetivo de transformação social e económico “bondoso”. Almejar uma “sociedade sem classes”, do ponto de vista “utópico”, não é antidemocrático. Há uma discrepância evidente entre a ideologia comunista e a prática estalinista que, na linguagem da resolução, pode ser apelidada de “totalitária”, mas assim como não culpo a democracia pelo aparecimento de Hitler (que usou dos seus meios para chegar onde queria), não posso culpar o comunismo pelo estalinismo.”. Ninguém terá dúvida do que seria a URSS se Lenine não tivesse morrido tão jovem e se Estaline não tivesse expulsado Trotsky da URSS, que se refugiou no México.
Associar a URSS de Estaline ao comunismo e associar o comunismo à URSS de Estaline é um erro. Esse é o pseudoargumento do neoliberalismo, que só tem como prioridade “dividir para reinar”. O capitalismo é uma fraude social. Os economistas e sociólogos descrevem o capitalismo como a solução para o mercado-livre, o bem-estar social e o capitalismo de Estado, ou seja, quanto maior for o lucro das empresas, maior é o rendimento dos trabalhadores e menos desemprego há. Os anos da crise mostram que o colapso dos mercados só trouxe atraso social, desinvestimento público e empobrecimento.
A Europa saiu destruída desta crise. E essa destruição deveu-se ao modelo capitalista adotado. Esse modelo, que levou à crise, que levou ao empobrecimento, polarizou a opinião pública. Quando os europeus se deveriam ter unido para ultrapassar a crise, dividiram-se. Ou melhor. Foram divididos. Abriu-se uma porta aos discursos populistas. Portugal deixou de ser dos poucos países europeus onde os partidos de extrema direita, neofascistas, não ocupavam o espaço político e estão hoje representados nos órgãos democráticos. O discurso é vazio e aproveitou-se, muitas vezes, das lutas da esquerda. Analisemos o discurso do deputado da extrema-direita: defende os professores, quando o seu programa diz o contrário (a Extinção do Ministério da Educação e a oferta – sim, é isto que diz – dos estabelecimentos de ensino a quem os quiser comprar); defende o investimento no SNS, quando o seu programa diz o contrário (O Estado não deverá, idealmente, interferir como prestador de bens e serviços mo [sim, tem um erro ortográfico o programa] Mercado da Saúde [expressão capitalista]), ou seja, o Chega defende o fim do SNS. Estes são apenas dois exemplos de como o Chega tem um programa neoliberal e construído para as elites. É um programa construído com o propósito de liberalizar os despedimentos (também os dos polícias que ele finge defender). Acabar com os sindicatos (sim, os dos polícias também). Este discurso demagógico caracteriza-se pelo “nós, povo” e pelo “eles”, mas o deputado André Ventura não se pode apagar da história. Em 2013, quando os polícias se manifestavam, André Ventura apoiava, enquanto militante do PSD e candidato à Câmara de Loures, o governo neoliberal de Pedro Passos Coelho. Enquanto os polícias lutavam contra as políticas de direita, André Ventura aplaudia os cortes nos salários que Pedro Passos Coelho aplicava. É uma fraude! André Ventura é uma fraude!!
O Chega não defende os polícias. O Chega não defende os trabalhadores. O Chega não defende os portugueses. O Chega aproveita-se da fragilidade social em que nos encontramos para coordenar milícias para destruir o Estado Social e implantar, novamente, um regime totalitário e neoliberal.
Este discurso levou a um relativismo do que foi a crise europeia com a ascensão do fascismo e do movimento nazi de Hitler. Hoje, ouve-se o orgulho em ser-se de extrema-direita.
É imperativo que nos mobilizemos e destruamos este discurso vazio.
Para terminar, a ascensão da extrema-direita só se explica pela forma como o discurso de ódio, a xenofobia, o racismo, o sexismo e a homofobia ganham força no próprio centro político. A extrema-direita aproveitou-se da crise social para suprimir as liberdades, nunca pondo em causa as políticas que as geraram. É preciso enfrentar a extrema-direita, rejeitar o discurso de ódio e denunciar a sua completa ausência de alternativa. A extrema-direita é uma fraude política, porque se limita a ser a face mais violenta do discurso e da política dos fortes contra a democracia.
No passado, fechámos portas ao nacionalismo. Fechámos portas aos regimes fascistas. E temos de voltar a fechar portas aos movimentos que, de forma desavergonhada, se vão mostrando e vão mostrando as suas vazias políticas. É necessário criar uma alternativa que responda à crise social para devolver a extrema-direita ao seu lugar: as páginas mais tristes da História de Portugal e da União Europeia.
1Schmidt, Joël (1985) Dictionnaire de la mythologie grecque et romaine. Larousse.
2As expressões sublinhadas são minha responsabilidade.
(O autor segue as normas ortográficas da Língua Portuguesa)
Linguista, investigador científico, feminista e ativista social.
Nascido em Lisboa, saiu da capital rumo a Terras de Trás-os-Montes e cedo reconheceu o papel que teria de assumir num interior profundamente desigual. É aí que luta ativamente contra as desigualdades sexuais, pelos direitos dos estudantes e dos bolseiros de investigação. Membro da Catarse - Movimento Social, movimento que luta contra qualquer atentado à liberdade/dignidade Humana. Defende a literacia social e política.
(O autor segue as normas ortográficas da Língua Portuguesa)