Escrevo este texto nos últimos dias de 2023. Mais um ano para a sequência de anos que dizemos serem tão “atípicos” e “fora da norma”, ao ponto de essas expressões já fazerem parte do nosso vocabulário habitual quando é a hora de fazermos uma retrospectiva do que se passou nos últimos 365 dias.
A verdade é que, atípico ou não, 2023 foi mais um ano de grandes dificuldades: vivemos uma crise habitacional sem precedentes, o fim da crise climática parece tornar-se um cenário cada vez mais distópico perante a inação governamental, o SNS, apesar de resistir, continua em ruptura constante e na educação nada mudou.
O sistema internacional presencia hoje uma atmosfera bélica que já não se sentia há décadas, com um genocidio a céu aberto a ser capturado pela imprensa ocidental como se nada grave estivesse a acontecer. Há quem tente abrir um lamaçal no campo democrático e o novo ciclo eleitoral parece ser tudo menos fácil para as forças progressistas que querem uma transformação significativa da nossa sociedade.
Continuam a tentar nos vender o pessimismo do costume, com a desculpa de que não há outras alternativas — como se nós não construíssemos a nossa própria história. O individualismo radical continua a incrustar-se diariamente e há quem tente mesmo combater a ideia de bem comum coletivo, em troca de menos impostos e a imposição de um neoliberalismo radical em todos os sentidos.
A resolução de todos esses problemas já configuraria uma lista de desejos bastante ambiciosa para o ano de 2024. No entanto, certamente não ficaríamos “apenas” por aí: ainda temos a precariedade por combater, os salários por aumentar, o conservadorismo por desconstruir, a descolonização por concretizar e se em 2024 celebramos 50 anos de Abril, haverão certamente ainda muitos cravos por colher.
O ano passado a Leonor Rosas relembrava-nos nesta mesma plataforma sobre o texto de Gramsci de 1916 intitulado “Eu odeio o dia de Ano Novo”. Dizia-nos ela, que, este texto, que facilmente se torna um favorito óbvio de todos aqueles que se aborrecem com os rituais das datas Gramsci, explicava que detestava a transformação da passagem do tempo e do espírito humano num produto comerciável que impõe quebras e continuidades. Assim, rejeitando esta obrigatoriedade de celebrar um momento imposto por um calendário, Gramsci só queria que cada manhã fosse um Ano Novo para ele. Passado um ano dessa menção e 108 anos do texto original, as palavras continuam atuais.
Diante deste cenário, por vezes catastrofista e negativo, é imperativo que olhemos para o futuro com uma perspectiva de ação e transformação. As dificuldades de 2023 não devem ser apenas reflexos desanimadores, mas impulsos para uma mudança significativa. Que o campo social das ruas nunca se esqueça que a construção de 2024 começa em cada grito de protesto, que não queremos apenas tapar crises imediatas, mas também desafiar as raízes estruturais que nos trouxeram a este cenário. Que cada crise, cada obstáculo, seja encarado como uma necessidade de agir e que, 10 de março também seja uma reflexão disso mesmo.
Que 2024 seja o ano em que conquistemos ou nos aproximemos dos desejos aqui delineados. Embora não ultrapassem o total de dois mil e vinte e quatro, tenho a certeza de que o nosso imaginário político certamente alcançará esse número — e irá mais além. Que cada manhã seja um reflexo dos votos da renovação, da reconquista e da transformação. Sobretudo, em prol do bem da nossa democracia e do futuro que ainda temos pela frente.
Texto de Esquerda.net, publicado a 27 de janeiro de 2024
Jovem ativista estudantil da Beira Alta, natural de Fornos de Algodres. Atualmente faz parte da Greve Climática Estudantil - Guarda e da Plataforma Já Marchavas.