Um país esquecido

Estamos caminhando lentamente para um cenário pós-eleitoral onde voltamos a ter um país inteiro esquecido. Uma parte do país que não se sente representada, não se sente ouvida e que se sente sobretudo isolada. Adiar essas questões só perpetua o ciclo de desigualdades que temos vindo a enfrentar.
Mapa de Viseu, regionalização. Foto Interior do Avesso
Foto Interior do Avesso

Em 1976, a regionalização foi prometida na Constituição Portuguesa, durante a emergência da primeira Constituição Democrática, revolucionária e progressista. Partidos como o PSD votaram a favor da aprovação do documento, mostrando-se entusiastas da autonomia regional. No entanto, esse entusiasmo foi abandonado ao longo das décadas. Marcelo Rebelo de Sousa, enquanto ex-líder do PSD, promoveu, aliás, a imposição de que este processo fosse submetido a referendo, referendo esse que acabou por ser chumbado em 1998, com cerca de 61% dos votos.

Durante 18 anos, o assunto permaneceu engavetado, mas voltou à agenda política quando Marcelo Rebelo de Sousa foi eleito Presidente da República, em 2016. Passados esses 18 anos, Marcelo parecia ter revertido totalmente as suas posições, mostrando-se agora adepto de uma maior regionalização em nosso território. No entanto, essas intenções foram redirecionadas para os mecanismos errados: o governo do PS, em 2018, aprovou uma lei que estabelece o quadro de transferências de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais, as quais não são sufragadas diretamente e estão distantes das populações locais.

Assim, o que foi promovido não foi uma descentralização real, mas sim uma municipalização de um conjunto de competências do Estado central, o que ameaça agravar as assimetrias regionais, comprometendo a universalidade e igualdade no acesso das populações aos serviços prestados, ao mesmo tempo que promove uma total desresponsabilização do Estado em funções essenciais e estruturais como a Educação ou a Ação Social.

Em 2024, no entanto, foi prometido um novo referendo sobre a regionalização por parte de António Costa, promessa essa esquecida numa campanha eleitoral que pouco discutiu o nosso projeto de país e que demonstra a pouca seriedade com que se debate o interior. Quando 80% da população do continente reside no litoral, sendo os territórios do interior marcados por um profundo e gradual despovoamento e desertificação, com sérias consequências sociais, económicas e ambientais, não seria benéfico avançarmos com o debate sobre que futuro queremos para a região?

Da mesma forma que a regionalização foi esquecida no ritmo de uma campanha eleitoral entre a espuma do dia, a verdade é que as questões do interior também foram colocadas em segundo plano. Apenas alguns partidos, como o Bloco, tiveram coragem de falar dos motivos estruturais que levaram aos atrasos estruturais do território, como os negócios que retiram ao interior os recursos que devem servir para o seu desenvolvimento: ao interior não falta riqueza, falta distribuição dessa mesma – quando vemos o mercado privado liberalizado pró-lucro dos eucaliptos a recolher 10 milhões da PAC para manter o seu negócio destrutivo para o clima, o lítio numa ótica da ganância da indústria extrativista ou o negócio das barragens nas quais a EDP ainda não pagou os impostos devidos facilmente percebemos que há uma visão do interior como negócio e não como território que merece ser respeitado.

E quem fala destas questões, fala também da pouca representatividade que estes territórios têm na Assembleia da República. É assustador olharmos para o nosso mapa eleitoral e vermos que há uma linha a meio do nosso país que divide esses dois polos, onde um elege cerca de 80% dos nossos deputados e onde o interior é sub-representado. Além disso, acrescentam-se as regras do modelo de Hondt, onde pequenos partidos dificilmente elegem em círculos eleitorais como o círculo eleitoral da Guarda, que conta com 3 deputados, havendo uma divisão absoluta dos lugares entre partidos do Bloco Central, que pouco querem discutir essas questões.

Assim, estamos caminhando lentamente para um cenário pós-eleitoral onde voltamos a ter um país inteiro esquecido. Uma parte do país que não se sente representada, não se sente ouvida e que se sente sobretudo isolada. Oxalá um novo ciclo legislativo tente responder a todos esses desafios, pois adiar essas questões só perpetua o ciclo de desigualdades que temos vindo a enfrentar.

Artigo publicado em Gerador a 12 de março de 2024

Rodrigo Sousa
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Jovem ativista estudantil da Beira Alta, natural de Fornos de Algodres. Atualmente faz parte da Greve Climática Estudantil - Guarda e da Plataforma Já Marchavas.

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