Passo, olhando ora as lojas, ora o chão, também este montra da sociedade que o trilha e onde se reflecte e perde em restos diversos. Até polícias há, patrulhando de ora em ora, havendo-nos em tropeços de cuidados e perícias várias para os não pisar – senão agarra-se a nós a lei como um carrapato grudado ao hospedeiro, perseguindo-nos em desatenção, ou na insistência em afastá-la, e pelo olfacto atraindo olhares. Passo. Vagueando pelas ruas, procurando uma morada familiar. Penando da cobiça em algumas vitrinas fulgente aos olhos.
Ali na esquina o Tempo faz a curva, ainda o chamo, porém não me ouve. Se ouviu, preferiu ignorar-me, parecia ir com pressa. Quem me dera fosse mais devagar e pudesse acompanhá-lo. É boa companhia o Tempo. Anda por aí sabe-se lá desde quando, até os Ti Anciãos se lembram dele desde sempre por aí rondando, ora depressa, ora devagar. Há quem diga que anda sempre à mesma velocidade, a nós é que parece por certas vezes célere, por outras paulatino, dependendo do nosso estado de espírito. O Tempo é assim, dizem os Ti Anciãos, mexe connosco, com as nossas emoções e sensações. Ninguém lhe fica indiferente e à sua sabedoria que parece ir além da história. Eu gosto do Tempo, é uma boa companhia.
Certa vez, ainda o Outono se assentava e o Verão se não abalara totalmente, o Tempo levou-me a descobrir o velho leito de uma ribeira que servia, agora, como caminho de acesso a lavradas, olivais e outros vergéis circundantes, e de cujo álveo restava apenas uma tímida agueira que, por vezes, a chuva animava. Já em tempos aqui correu muita água, muito antes de aqui chegarem as gentes. Não, nunca desta terra as gentes viram esta ribeira no seu esplendor. Tanto que nem lhe deram nunca um nome, foi sempre e só ribeira, ou ribeiro, dependendo de quem lhe chamasse e dos próprios humores da pessoa. E hoje, nada! Uma nascente algures, seca e perdida, nem deus algum sabe onde. Disse-me o Tempo. Enquanto eu olhava pasmado aquele caminho, onde recurvadas ressurgiam, por sobre a terra, desnudadas raízes de gigantes castanheiros, os quais formavam, na sua imponência e proximidade, um túnel flóreo onde imaginava faunos diversos, cabrejando por as sombras e a frondosa copa das árvores. Soprando por entre a rama, uma fresca brisa outonal arrepiou-me e cheguei-me a um canto onde um escaldante raio de sol me relembrou o Estio. E por entre outras frinchas que a folhagem permeabilizava aos raios de sol, olhei maravilhado o pó que dançava no ar. Naquele dia, eu e o Tempo fomos passando devagar por entre caminhos e atalhos e todos os cantos e recantos em que a natureza nos brindava com um espectáculo de flores, cores e folhagens diversas.
Passo ante passo, a memória deste ido passeio, apenas eu, o Tempo e a Serra, faz-me sentir quente e confortável. De tal modo que me permito abrir um pouco o casaco e sentir o vento gelado inteirar-se-me na face. Respiro fundo, inundando os pulmões daquele gélido ar revigorante, que só a minha Serra parece trazer-me e, por um momento, esqueço que penava, cabisbaixo, uma qualquer tristeza.