Foi recentemente noticiado que o PSD se prepara para propor a atribuição de bolsas no valor de 1000€ para alun@s que queiram vir para instituições de ensino superior localizadas no interior do país, por um período de um semestre. O programa dá pelo nome de Erasmus +Interior e “trocado por miúdos” quer isto dizer que se um@ alun@ que atualmente estude na Universidade de Coimbra (por exemplo), pode vir estudar para a Universidade da Beira Interior (UBI) por um semestre e recebe por isso uma bolsa de 1000€.
Esta medida não é nova. Já em 2015, também em plena pré-campanha para as legislativas, o XX Governo Constitucional, encabeçado por Passos Coelho e Paulo Portas tinha proposto a atribuição de 1020 bolsas de 1500€ anuais para alun@s que quisessem estudar em 14 instituições de ensino superior do interior do país.
Este PSD tem uma fixação por medidas deste tipo em alturas de pré-campanha e gosta de fazer jogadas de charme aos e às jovens estudantes.
À primeira imagem que me veio à cabeça quando li a notícia foi a de uma investigação antropológica, usando a etnografia para proporcionar a alun@s da faixa litoral uma experiência de um semestre nos inóspitos territórios do interior do país para verem como vivem aqui @s nativ@s e como sobrevivem @s estudantes que cá estão. Pareceu-me uma espécie de visita guiada ao interior.
E a ser assim, estamos a elitizar o ensino. Já não são tod@s @s alun@s que atualmente podem aceder ao ensino superior e ainda vão ser menos a poder usufruir deste tipo de bolsas, apesar da descida do valor das propinas máximas de 1068€ para 856€, fruto de uma reivindicação do Bloco de Esquerda na negociação do Orçamento de Estado para 2019.
Façamos algumas contas simples. Aluguer de quarto- 200€/mês, Alimentação- 150€/mês, Despesas- 40€/mês (sim, aqui no interior quando faz frio, faz mesmo frio e quando faz calor, faz mesmo calor, ou seja, é necessário gastar mais eletricidade e gás para o aquecimento e arrefecimento); Material escolar- 20€/mês, Viagens- 30€/mês. Tudo somado são 440€/mês. Contas feitas por baixo, sem grandes aventuras, multiplicados por quatro meses e meio que dura um semestre, estamos a falar de 1980€ de despesas para os quais o PSD se propões financiar 1000€. Haverá um défice de 980€ no mínimo.
É mais um défice a juntar aos infindáveis défices de que o interior já padece, senão vejamos, encerram serviços públicos tais como serviços hospitalares, balcões da CGD, postos da GNR, CTT, escolas, etc. A este défice juntemos o défice de 20% de média salarial quando comparado com a média salarial verificada na faixa litoral do país (cai por terra portanto o clichê de que aqui a vida é mais barata, pois também se ganha menos).Juntemos a isto o défice proveniente do subfinanciamento crónico das instituições de ensino universitário e temos uma visão de futuro muito preocupante.
Os 1000€ que o PSD se propõe pagar por cada semestre não seriam mais bem aplicados no financiamento das instituições de ensino superior do interior do país? Estas universidades sofrem de um problema de subfinanciamento crónico e por esse motivo podem ver penhorado o seu futuro. O garrote financeiro aplicado às instituições de ensino universitário é brutal e temo que a médio prazo (para ser otimista) possa comprometer a qualidade do ensino ministrado nestas instituições. Enquanto a UBI encerrará o ano letivo de 2018/2019 com um défice, as universidades dos grandes polos do litoral somam superavits, ou seja, a receita será superior à despesa. Isto fomenta desigualdades a nível territorial e aprofunda ainda mais o fosso entre litoral e interior. Há que alterar definitivamente o paradigma do financiamento do ensino superior para que este se adeque de forma real às necessidades das instituições e não deixe a sua sobrevivência dependente do financiamento obtido com recurso ao dinheiro d@s alun@s e suas famílias.
Não serão medidas paliativas e desligadas da realidade, como a proposta do PSD, que iremos certamente assistir a uma inversão do défice a que o interior do país parece estar votado. A sobrevivência dos territórios do interior do país e das instituições de ensino universitário que aqui se encontram passam pelo reforço do financiamento público destas instituições de forma a promover uma igualdade de acesso e se possível uma mais-valia que seja capaz de atrair estudantes e promover a sua fixação nestes territórios.
Assistente Social, feminista, ativista de várias causas e acima de tudo comprometido com a defesa dos direitos de cada pessoa. Nascido em Coimbra, com raízes na Beira Interior (Covilhã), sempre desempenhou a sua atividade profissional na área das dependências. Reside permanentemente na Covilhã desde 2011.
Ligado a diversos movimentos sociais, culturais e artísticos, primeiramente em Coimbra onde integrou a Plataforma Contra a Guerra. Na Cova da Beira destaca-se a sua participação no Núcleo da Cova da Beira da Rede 8 M e a presidência de uma Associação de Desenvolvimento Local.
É aderente do Bloco de Esquerda, faz parte do Núcleo Concelhio da Covilhã do BE e é um dos porta vez da Comissão Coordenadora Distrital de Castelo Branco do BE.