Quem vive nos territórios do interior poderá já ter sentido num ou noutro momento da sua vida algum tipo de discriminação em relação aos territórios do litoral devido à escassez de oportunidades que várias vezes aflige os territórios do interior. Esta discriminação normalmente tem subjacente um sentimento negativo em que alguém é tratado de modo desigual sem que exista razão lógica para isso. No entanto, existe uma originalidade na política nacional denominada de discriminação positiva 1.
Em teoria poderia até ser um conceito interessante, podendo levar a que existissem condições mais atrativas para o investimento, fixação de quadros qualificados e criação de oportunidades. No entanto, continua a ser uma discriminação. Pessoalmente tenho mais afinidade para a inclusão. Quando ouço a palavra discriminação causa-me uma certa inquietação. Atualmente está em implementação um conceito que poderá ser mais interessante, o da descentralização. Para que esta descentralização, com a consequente transferência de competências, possa tornar-se real é necessário a harmonização das medidas a implementar com a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) 2.
Nesta fase decorre transferência de competências do poder central para o poder local. Este é sem dúvida um processo que poderá ser virtuoso se for bem aplicado. Este processo estende-se até 2021 e engloba áreas que vão desde a educação, saúde até à cultura.
Mais de 180 autarquias já se pronunciaram sobre esta transferência de competências 3. Apesar de ser possível fazer omeletes sem ovos, estas não são a mesma coisa 4. Para que deixe de existir discriminação e o poder se aproxime efetivamente dos cidadãos é necessário dotar esta transferência de competências do envelope financeiro adequado para que seja exequível. Aprovam-se diplomas para a transferência de competências mas o financiamento necessário poderá ter que ser decidido a posteriori 5.
Onde quero chegar é que podemos discutir teoricamente a transferência de competências para os municípios mas sem financiamento adequado poderá ser uma reforma difícil de executar. Afinal o que é que se deve fazer primeiro? Transferir competências ou definir o respetivo pacote financeiro antes de proceder a essa transferência? Em comunicado o governo refere que as verbas necessárias para a descentralização para o ano corrente foram inscritas no orçamento de estado 6. Uma vez que o processo está em andamento muito provavelmente será necessário que este seja continuamente melhorado até que esteja plenamente em funcionamento. Não se pedem galinhas que ponham ovos de ouro. Nem sequer se pergunta se primeiro surgiu o ovo ou a galinha. Apenas se diz que para quem goste de omeletes com ovos é necessário que os ovos existam antes de começarmos a fazer as ditas omeletes.
Natural da Covilhã e aderente do Bloco de Esquerda. Desempenhou funções em associações de estudantes, desportivas, científicas e de desenvolvimento local. Atualmente é doutorando em Biologia na Universidade do Porto.