Ao povo perdoa-se o esquecimento, são tantas as cuspidelas e de tantos lados…
À Esquerda, particularmente a Democrática e Revolucionária, não.
Especialmente se não quer mais Padres Max, Zé’s da Messe, sedes rebentadas e, pior, hipocrisia constante, lodo populista e manipulação de factos em escalas que implicam a perda das poucas valências efetivas de conquista de progresso social que ainda restam à “democracia” bi-partidária portuguesa.
A estória da nossa revolução, 45 anos depois, é lugar comum para quase todos os portugueses, assumindo-se como mito fundador do regime democrático.
Mas e a sua História?
Em ocasião do 25 de Novembro (25N), decidi inquirir os meus colegas de curso sobre o tema e seu contexto, a maioria bons alunos de História A. A incoerência histórica e desconhecimento são generalizados, de tal forma que quase me atrevo a dizer que fomos induzidos a esquecer propositadamente parte da nossa história.
Esquecemos os famélicos que encabeçaram as ocupações latifundiárias e citadinas, culpando à boca cheia “o maluco do Otelo” pelo seu progresso desorganizado.
Esquecemos os anos de miséria, apolitização e manipulação generalizada de massas, bem como as bombas (infelizmente literais) da direita (MDLP e Legião), culpando à boca cheia “o raio dos comunistas e esquerdistas” por grande parte da instabilidade do PREC.
Esquecemos que muitas conquistas progressistas pelas quais lutamos hoje, reformas agrária, habitacional, social e política, haviam já sido conquistadas nos primeiros meses do PREC, sendo perdidas depois, com o quebrar efetivo da ação revolucionária do PCP, o 25N, o “reviralho” e as décadas que se seguiriam de governação de direita em tudo, salvo nas áreas em que a pressão social o exigiu ou tornou politicamente rentável, bem como talvez na cabeça de alguns teóricos do laranja e cor de rosa.
Esquecemos partes essenciais do papel de Spínola, que reunia com o MFA ladeado de advogados como Francisco Sá Carneiro, que o aconselharam ao longo do processo de atraso e complexificação da libertação dos presos políticos e da descolonização, pactuando com o saque e inutilização dos arquivos da PIDE, onde militares e civis afetos ao General iam “recolher” de livre vontade as suas fichas, fossem estas de colaborador, informador ou de indivíduo de interesse.
Esquecemos como foi, à data, permitida a fuga a todos os agentes da PIDE associados ao assassinato de Humberto Delgado e, ANOS mais tarde, aos membros da Legião/MDLP que entraram na sede do PSR para esfaquear fatalmente Zé da Messe, foram presos e julgados em democracia e fugiram sem oposição da cadeia, negociando no exterior a sua “rendição” e permanecendo, desse momento até hoje, em liberdade.
Esquecemos que muitos destes atores, extremistas de direta acusados de esfaquear, raptar, brutalizar, assassinar, montar bombas e dar “caça aos comunas”, caminham, quase incógnitos mas de cabeça erguida, entre nós e, fosse essa a sua vontade, seria a minha garganta a próxima a ser cortada, com a mesma facilidade, impunidade e até conivência policial com que os seus “filhos” hoje espancam, raptam e mutilam membros das minorias pelas ruas e bairros de Lisboa.
Esquecemos os problemas sistêmicos e estruturais para os quais devíamos ter mantido a resposta firme na altura, preferindo culpar à boca cheia a corrupção e incapacidade do nosso sistema político-partidário de orientação conservadora, que tirou milhares de portugueses da miséria absoluta apenas para os mergulhar no trabalho precário, na luta por salários de subsistência e na falsa consciência semi-moderna do “hoje não há futebol?”, enquanto carburava nos motores insaciáveis das máquinas partidárias que hoje nos governam o poder, influência e dinheiro do qual precisávamos desesperadamente para qualificar e potenciar a nossa força laboral e produtiva.
O domínio dos setores produtivos e financeiros manteve-se, com a total conivência do poder político, num mesmo ou até menor número de “mãos” que no antigo regime, o que provoca sintomas contra os quais vociferamos diariamente, propositadamente sem fundamento analítico. Para uma cultura dita “apólitica”, a revolta e reclamação é surpreendentemente comum, de tal forma que, não fosse o colapso imediato de qualquer conversa política perante a análise crítica e profunda de argumentos, poderíamos até julgar que a consciência política cresceu.
Mas não cresceu. Continuamos a escolher não votar ou a escolher votar nos mesmos, os mesmos que eternizaram os problemas estruturais herdados do Estado-Novo com a sua cobardia política e pessoal e sede insaciável de influência, ao ponto de os cartões rosa e laranja estarem hoje assustadoramente mais próximos da norma do que da exceção nas carteiras da função pública portuguesa, que deveríamos querer independente e profissional.
Será, então, que a democracia social falhou em Portugal?
Sim, falhou, mas falhou já há mais de 40 anos, quando pusemos o país em marcha-à-rés com medo de nos tornarmos na “Cuba da Europa” e acabámos por nos tornar no “Portugal da Europa”, arrisco dizer que quase tão dependente do Turismo como Cuba, muito mais ainda das esmolas europeias e estado-unidenses, sem oferta de emprego qualificado ou eficácia e estabilidade nas estruturas públicas de administração, educação e saúde, mas origem de excelentes emigrantes e destino para carros alemães, produtos agrícolas franceses, bancos espanhóis, etc…
Perante o contexto, o português vê apenas mais do mesmo mesmo no arco da governação rosa-laranja, com o qual é muitas vezes obrigado a estabelecer relações clientelares em troca de emprego, vê fantasmas estalinistas práticos e discursivos no PCP, conservadorismo elitista no CDS, e progresso cultural, social e de redistribuição económica muito mais impetuoso e radical do que gradual no Bloco, assustando-se com tal ritmo.
Sobre o Livre, pouco haverá a dizer para além da possível perda de relevância no próximo ciclo eleitoral, fruto da atitude mais permissiva em relação ao PS que reduz o partido a votos marginais, da proximidade programática ao Bloco e da distância que ainda separa a capacidade e experiência política destas duas estruturas. Veremos.
Em relação à IL, antes da deriva, no contexto português completamente abjeta na dimensão ideológica mas eficaz na dimensão eleitoral e programática, para o anti-socialismo populista, ainda esperei ver uma força verdadeiramente liberal, que aceitasse setores estratégicos, papel regulador do Estado e pudesse ser um aliado na luta contra disposições autoritárias e anti-laborais. Infelizmente, cada dia que passa torna mais evidente o propósito real da IL: atomizar cada cidadão ao seu pequeno contexto de dominação, promover cálculo individualista de ganhos e assim fraturar a consciência e solidariedade da classe trabalhadora portuguesa, para que não restem defesas, como Leis Laborais justas e eficazes, ao desenvolvimento econômico neo-liberal desenfreado, que gera incomensurável riqueza para os poucos indivíduos em posição de aproveitar o momento e, para a população em geral, melhorias fugazes na esmola salarial mas obliteração das estruturas públicas, da Segurança Social à Saúde, passando pela Educação. Depois da afixação de cartazes a saudar o 25 de Novembro, temo que a IL esteja mais perto dos Chicago Boys e de Pinochet do que das estruturas europeias que procurou mimetizar, como o ALDE. Mais uma vez, veremos.Resta, portanto, o CHEGA! E tudo o que há para dizer sobre este é que já não há solução fácil. Crítica vai produzir vitimização, inação palco. André Ventura, a fazer lembrar líderes de extrema-direita de outrora, aposta na sua relação com a comunicação social, que lhe é assustadoramente mais favorável do que seria de esperar, para se ligar às massas e rodeia-se de gente alinhada com o antigo regime, como este homem, Diogo Pacheco de Amorim.
Vice-Presidente do CHEGA, antigo membro exilado do MDLP, fileiras que partilhou com bombistas e assassinos, e filho de Francisco Pacheco Amorim, braço direito de Spínola, podemos esperar que, se “o barco voltar a virar”, seja o cumprimento das suas ordens que leve os botas pretas até às nossas casas e cafés.
Num país de saudosismo mal escondido, história democrática opaca e perante a manifesta petulância e desinteresse dos partidos em relação ao eleitorado do CHEGA, logicamente movido por mais do que ódio racial, temo o pior: um crescimento do CHEGA até à relevância política, o que comporta grandes perigos para o sistema político, mais do que pela sua capacidade de ação imediata, pela influência do seu discurso no resto da Direita portuguesa.
Neste domínio, ver IL a cooperar e Rui Rio e demais laranjas a tentar desvalorizar e até branquear Ventura, antigo candidato municipal laranja a Loures com direito a presença do líder Passos Coelho na sua campanha, tem sido divertido, revelador e um claro sinal de que o PPD/PSD não se esquece de que o seu líder se sentou um dia à direita de Spínola, a providenciar “aconselhamento legal”, assim como o PS(D) de Soares não se esquece da fuga de Lisboa a 24 de Novembro de 75 e com que família política cooperou à data. O Povo português também não se devia ter esquecido, e muitos de nós não se esquecerão jamais, mas esperemos ainda ir a tempo de fazer mais do que recordar, porque, quando já formos, joelhos no chão, cabeça encapuzada e torso fletido, na mala da carrinha escura a caminho do incógnito buraco de mato onde acabaremos enterrados, juntamente com os nossos ideais liberais e humanistas, desejaremos certamente ter-nos recordado mais cedo do que significava o termo “fascismo”.
Que o respeito pelos mortos, raptados, desterrados, brutalizados e eternos desaparecidos nos continue a provocar aquele qualquer reflexo mecânico que nos faz sorrir quando repetimos, na voz dos nossos pais e avós, “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais”.
Guia moral mais forte que está será difícil encontrar, mas que sirva não só como aviso anti-facista, já que toda a corrente que existe para destruir desaparece, mas principalmente como recordação de que o 25 de Abril pode ter sido ontem, mas não acabou, nunca acaba, e é preciso hoje como vai ser amanhã e sempre que se mantenha a dominação popular por elites políticas ou financeiras, das quais o CHEGA almeja ser apenas mais uma cúpula violenta e pouco sofisticada.
Nascido em Vila Real em 1999, concluiu o ensino secundário na EBS Camilo Castelo Branco, onde exerceu funções como Presidente da Assembleia Geral e da Direção da Associação de Estudanes e Representante de Alunos no Conselho Geral.
Concluiu um Certificate of Higher Education em Ciências Biomédicas na University of Surrey, UK, antes de começar a cursar Ciência Política e Relações Internacionais na FCSH-Universidade Nova de Lisboa, em 2018/19.