Entrevista: “o pior só acontece aos outros”, “o tudo se há-de resolver” que nos desresponsabiliza ou “a esperança é a última a morrer”

Joana Carvalho Lopes
Joana Carvalho Lopes

O Interior do Avesso fará tudo por informar a população sobre o desenrolar desta crise que se prende com a pandemia do Covid-19, doença provocada pelo Sars-Cov-2 (conhecido como Coronavírus). Nesta missão tentaremos ouvir a sociedade, principalmente e quem está no terreno a lidar com a situação.

Hoje deixamos a entrevista que fizemos à Enfermeira Especialista, Joana Carvalho Lopes, que está a trabalhar na Unidade de Cuidados na Comunidade Aristides Sousa Mendes.

Joana Carvalho Lopes
Joana Carvalho Lopes

Há quantos anos estás a trabalhar na região Dão Lafões?

Estou a trabalhar no Centro de Saúde do Carregal desde 2006.

Qual é a razão que te levou a escolher esta profissão?

Na verdade não foi uma escolha. Eu sempre quis medicina veterinária e enfermagem não foi a minha primeira opção. Para além de ser filha de uma enfermeira que sempre ouvi a queixar-se das dificuldades da profissão, da exigência da mesma e da má remuneração. Contudo, depois de começar o curso, comecei imediatamente a gostar, sobretudo depois de passar no Hospital Pediátrico de Coimbra, onde comecei logo a trabalhar e o que me fez seguir pela especialização em Enfermagem Pediátrica e de Saúde Infantil.

Enfrentamos uma dificuldade que a deveremos ultrapassar coletivamente. O que tens a dizer sobre o Covid-19?

O que tenho a dizer começa logo por ser, que ainda não temos a noção do problema que vamos enfrentar. Não enquanto profissional de saúde, nem enquanto Governo, mas enquanto população de um modo geral. É um vírus novo, que se tem revelado bastante instável e mutável, o que dificulta muito prever o seu comportamento. Para além disso o que o torna tão perigoso é a facilidade e a via por onde se transmite.

Queres partilhar alguma história que já tenha acontecido, no âmbito profissional, sobre esta situação do Covid-19?

Até ao momento, que nós saibamos, ainda não tivemos nenhum contato com o Covid-19 no Centro de Saúde de Carregal do Sal. Digo isto, porque é do conhecimento geral que há portadores assintomáticos. Agora devo dizer que todo o serviço se reorganizou rapidamente, desde articular entre as diferentes unidades que o constituem, articular com a Proteção Civil, articular com a autarquia e com as diferentes instituições, nomeadamente IPSS. Isto de forma a criar uma zona de contenção, isolada do normal funcionamento do Centro de Saúde, privilegiar os contatos indiretos, minimizar consultas e sobretudo informar a população.

As enfermeiras e enfermeiros fazem um trabalho muito próximo com os utentes. Qual tem sido a reação da população relativamente ao Covid-19?

Penso que a população está apreensiva. Através da comunicação social veem o que se tem passado nos países que foram afetados antes de nós, mas só quando surgir um caso real e direto é que vão encarar a gravidade da situação. Existe uma ambivalência entre encarar a dimensão de todas as consequências que irão advir desta pandemia, quer a nível da saúde da população, quer a nível da economia. As pessoas querem preservar a sua saúde, mas começam a ver em risco o seu emprego e isso faz com que por vezes facilitem e adiem alguns comportamentos preventivos.

Achas que as pessoas estão bem informadas, ou a desinformação é superior?

Neste momento existe informação suficiente, pelo menos sobre os comportamentos a adotar para prevenir as piores consequências. Agora o que tem dificultado ao cumprimento dos mesmos, são sobretudo aspetos culturais muito enraizados na nossa cultura como seja “o pior só acontece aos outros”, “o tudo se há-de resolver” que nos desresponsabiliza ou “a esperança é a última a morrer”.

Quais os maiores desafios para os próximos dias? O SNS vai aguentar toda esta pressão?

Os maiores desafios para os próximos dias, prendem-se sobretudo com o apetrechamento dos profissionais de saúde com Equipamentos de Proteção Individual. Não falo só de máscaras ou solução alcoólica que já começam a faltar, mas de tudo o resto como sejam batas, viseiras, toucas, tapa botas, etc… Tal como nós temos que nos proteger, porque somos nós que temos que dar resposta e cuidar destes utentes infetados, temos que saber que poderemos ser portadores assintomáticos e transmitir o vírus aos doentes que cuidamos que naturalmente são os mais debilitados.

Por outro lado temos que estar atentos a outros problemas de saúde indiretos que vão começar a surgir, como seja depressão, alcoolismo, violência doméstica e outros, decorrentes de todas as alterações sociais, laborais, familiares e pessoais que nos estão a ser solicitadas.

Diz uma palavra que traduza melhor o momento que estamos a viver

Angústia.

Quais são as expectativas dos profissionais de saúde locais sobre a propagação e contaminação desta pandemia?

Os profissionais de saúde estão a preparar-se para o pior cenário. Acreditam que ainda mal começaram as exigências de cuidados e as dificuldades. Com certeza que sabemos que por estarmos num meio mais rural as situações apareçam de forma mais diluída, ou mais tardiamente. Mas vai nos tocar a todos. Estamos preparados para sermos afetados e podermos revezar o nosso trabalho de forma a manter a unidade de saúde disponível para apoiar a população. Também irão começar a ser feitos os testes ao Covid-19 no Centro de Saúde às pessoas sintomáticas, dentro de alguns dias. Essas pessoas serão orientadas para manterem isolamento social no domicílio ou serão encaminhadas para o Hospital de acordo com a situação. O resultado saber-se-á no dia seguinte depois de vir do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.

Queres deixar um apelo à população do Carregal do Sal e em geral a todo país?

O apelo que eu faço é que cumpram à risca as indicações da Direção Geral de Saúde. Estamos em Estado de Emergência e quem o decretou tem a perfeita noção do desafio que vai ser para o país e das implicações que vai trazer para todos nós, mas se não travarmos já esta pandemia, as consequências serão bem, mas bem pior.

Mantenham a calma, mantenham-se informados, mantenham-se em contato com os familiares e amigos através das novas tecnologias, que felizmente são tantas hoje em dia. Modifiquem alguns hábitos, ou adquiram, como seja a leitura, a escrita, trabalhos manuais. Envolvam a família toda nos trabalhos domésticos. Poupem o que têm, porque muitas vezes desperdiçamos e assim vão evitar o excesso de procura.

Também acredito que irão surgir iniciativas e grupos de apoio que vão ajudar a ultrapassar esta fase. Felizmente os portugueses sempre surpreenderam pela criatividade e pela sua capacidade de ultrapassar as dificuldades em coletivo.

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