“Existe uma alternativa à esquerda contra o marasmo”

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Foto por Ana Mendes
Foto de Ana Mendes
Catarina Martins abriu a Convenção do Bloco com a prestação de contas de um mandato político marcado pela pandemia e pela recusa do PS em aceitar um compromisso de estabilidade para quatro anos.

Na intervenção de abertura da XII Convenção do Bloco, Catarina Martins fez o balanço da ação política bloquista e das mudanças na sociedade portuguesa dos últimos dois anos, com as eleições legislativas e a pandemia da covid-19 a determinarem as escolhas políticas.

Catarina Martins começou por saudar a primeira Convenção do Bloco realizada no distrito do Porto, nas condições especiais determinadas pela pandemia que a tornaram na “mais difícil de preparar desde a nossa fundação”.

“Aqui, em Matosinhos, não esquecemos os trabalhadores da refinaria da GALP ameaçados pelo despedimento por uma empresa que, só no primeiro trimestre deste ano, teve 26 milhões de euros de lucro. O mote desta convenção é a ‘Justiça na Resposta à Crise’. Daqui repetimos a exigência de justiça neste tempo tão difícil: quem tem lucros não pode despedir. E não aceitamos o falso pretexto da transição energética para o despedimento de trabalhadores. A resposta às crises, à crise pandémica como à crise climática, reclama sim mais e melhor emprego”.

A prestação de contas dos últimos dos anos do mandato começou pela pandemia e o rasto de mortes que deixou em Portugal e no mundo. “Por isso, não argumentamos com os negacionistas; a irresponsabilidade não cabe no campo do argumentável”, afirmou Catarina, acrescentando que voltaria a aprovar “sem hesitação” a restrição do direito constitucional de nos deslocarmos. “Não estava em causa nada mais importante do que salvar vidas. Por isso, não aceitamos a posição de quem ainda hoje nos diz que bastaria um confinamento entre 19 de março e 2 de abril de 2020 e que a partir de então a esquerda o deveria ter recusado durante todo o ano seguinte. Os números não deixam a menor das dúvidas: tivemos 99% das mortes depois dessas datas. Precisámos do confinamento em 2020 e voltámos a precisar em 2021 e fizemos bem em assumir a proteção da saúde do nosso povo”, afirmou a coordenadora do Bloco.

E aproveitou para marcar as diferenças entre esta Convenção e “o congresso do partido da extrema-direita, onde os campeões negacionistas festejam a sua irresponsabilidade e a sua arrogância. Estamos aqui com o mesmo cuidado que esperamos que tenha o nosso vizinho da casa ao lado e temos orgulho nisso. É assim esta gente solidária”.

“Não abdicamos de conseguir já as medidas que são urgentes para o nosso povo”

A coordenadora do Bloco lembrou também a luta travada pelo Bloco em nome dos direitos das “vítimas sociais” da pandemia, como os trabalhadores informais, as domésticas, os estafetas, os da cultura, os imigrantes, para “que todas essas pessoas que estão desprotegidas passassem a estar abrangidas por apoios sociais capazes”.

“Lutámos pela saúde e pelos direitos. Mesmo em confinamento, o Bloco ouviu especialistas e ativistas para preparar proposta e resposta à crise e juntou-se para fazer o levantamento dos abusos laborais em todo o país, criando redes de solidariedade em que se envolveram as organizações locais e que permitiu levar a denúncia da plataforma despedimentos.pt até às delegações das Autoridades para as Condições do Trabalho”, prosseguiu, destacando ainda o papel dos autarcas do Bloco com responsabilidades executivas que “cuidaram das cantinas escolares abertas para quem precisa, das linhas de apoio, da defesa da casa, da conquista da tarifa social da água”.

O segundo grande tema da intervenção de abertura foi o da relação do Bloco com o Governo e o PS, a partir do momento em que o PS se recusou, após as legislativas de 2019, em aceitar um compromisso de medidas sociais para os quatro anos seguintes. “Não ficamos zangados pelo facto de o PS ter fechado a porta a uma solução de estabilidade para quatro anos. É a sua escolha, nós abriremos outra porta. Do que não abdicamos é de conseguir já as medidas que são urgentes para o nosso povo”, afirmou Catarina.

E acrescentou alguns exemplos dessas medidas: “Não deixamos para amanhã que a Contribuição Solidária para os idosos pobres não dependa da informação bancária dos filhos; não deixamos para depois de amanhã que quem é explorado nas plataformas tenha direito a um contrato de trabalho, ou que quem está a recibos verdes tenha segurança social, ou que os serviços públicos cuidem de toda a gente, com o cuidado que toda a gente merece; não deixamos para amanhã o salário igual para homens e mulheres, incluindo para imigrantes. Compromisso com quem sofre, solidariedade com quem luta. É desta fibra que é feita a esquerda que não deixa ninguém para trás”.

Recordou também as negociações dos dois últimos Orçamentos, com o Bloco a pressionar para o reforço do SNS, mesmo no ano anterior à pandemia. “Não sabíamos do vírus, mas sabíamos de outra doença: não há médico de família para quase 900 mil pessoas e faltam especialistas nos hospitais. Chegámos ao fim de 2020 com menos 945 médicos no SNS do que em janeiro e só então entraram os jovens que tinham concluído a licenciatura no ano anterior. A gestão do SNS tem favorecido os hospitais privados, os que queriam cobrar 13 mil euros por cada doente Covid. Havia a melhor das razões para a prioridade ao SNS: é que o ponto forte da democracia – o acesso à saúde – está a ser corroído”.

Mas apesar dos “bons compromissos” alcançados nas negociações para o Orçamento de 2020, eles não foram cumpridos. Os casos dos trabalhadores informais e das cuidadoras informais são exemplos disso. “Por isso, se nos dizem que basta a palavra dada, lembro que a palavra vale desde que leve a decisões no tempo certo”.

Novo Banco: “Desgraçado do nosso país se não tiver quem faça frente a estes irresponsáveis”

Quando chegou a altura de negociar o Orçamento para 2021, “pusemos em cima da mesa quatro garantias de medidas estruturais: carreiras profissionais para o SNS; fim do abuso no Novo Banco; acabar com as leis laborais da troika; e uma política social de combate à pobreza na pandemia, que não deixasse ninguém de fora”. E a todas o PS respondeu negativamente, o que levou ao voto contra por parte do Bloco. “A política tem que ter esta clareza. Não se pode perder tempo nem recursos nesta emergência que vivemos”, prosseguiu Catarina.

“O governo gaba-se de ter poupado 7 mil milhões de euros dos orçamentos de 2020; o Bloco critica-o por ter sido dos países europeus que menos fez pela sua gente. A última das prioridades era poupar no orçamento quando há tanta gente aflita e que pagou os seus impostos”, insistiu a coordenadora do Bloco.

Quanto à única medida do Bloco foi aprovada no Parlamento, contra a vontade do PS, o Governo disse que era uma “bomba atómica” não haver nova injeção no Novo Banco “sem uma auditoria que verificasse a conta pedida aos contribuintes”. Mas não houve “bomba atómica” e o Tribunal de Contas veio confirmar o que o Bloco sempre disse: “a administração do banco cobra o que não pode e todos os pagamentos são dinheiro dos contribuintes”.

“Estamos a ser assaltados enquanto desfilam os depoimentos dos figurões que espatifaram centenas de milhões de euros e que acham que nunca têm que os pagar, confirmando o que o Bloco tem sempre dito: a desigualdade e o privilégio são formas de pilhagem. Desgraçado do nosso país se não tiver quem faça frente a estes irresponsáveis”, prosseguiu.

“Mostrámos assim que existe uma alternativa à esquerda contra o marasmo. Não ficamos à espera dos problemas. Uma esquerda comprometida com as medidas que salvam vidas e que protegem empregos não fecha os olhos à epidemia de empobrecimento e de desigualdade. Não adiamos, não desistimos. Estamos aqui para a luta toda”, concluiu Catarina Martins, dando início a dois dias de “debate franco, participado, intenso, como sempre fazemos”.

Artigo publicado no Esquerda Net.

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