Figuras da esquerda criticam posição do PS sobre orçamento

Carvalho da Silva, Ana Gomes, Paulo Pedroso, José Neves, João Ramos de Almeida e Maria de Lurdes Rodrigues são algumas das figuras que têm escapado à narrativa do PS de que a culpa da não aprovação do orçamento é da esquerda. Leia aqui alguns dos seus argumentos. Por Esquerda.net
Carvalho da Silva, Ana Gomes, Paulo Pedroso, José Neves, João Ramos de Almeida e Maria de Lurdes Rodrigues são algumas das figuras que têm escapado à narrativa do PS de que a culpa da não aprovação do orçamento é da esquerda. Leia aqui alguns dos seus argumentos. Por Esquerda.net

Com o debate sobre o chumbo do orçamento a concentrar grande parte das atenções do país político, várias figuras de esquerda têm escapado à narrativa do Partido Socialista de culpar a esquerda pela sua intransigência negocial. Eis os argumentos de algumas delas:

Manuel Carvalho da Silva, ex-secretário-geral da CGTP e professor universitário, em artigo de opinião publicado este sábado no Jornal de Notícias, defende que a unidade da esquerda é a única resposta possível aos desafios do país, nomeadamente a “recuperação socioeconómica”, a crise energética e as “mudanças geopolíticas e geoestratégicas perante as quais a União Europeia não tem política consistente”.

Para o sociólogo, foi o presidente que promoveu a crise política para manter situações como Serviço Nacional de Saúde estar “no fio da navalha e ele tem simpatia pela “forte presença” do setor privado”, a precariedade e os baixos salários estarem “a cristalizar-se” e possíveis alterações “incomodam fortes detentores da riqueza e do poder económico com quem sempre esteve”, “a distribuição da riqueza é injusta e a pobreza estrutural persiste, mas a conceção de solidariedade de Marcelo não vai além da caridade”.

A unidade da esquerda não justifica a erosão da sua pluralidade”

Sobre António Costa, lamenta que “por excesso de confiança, por desgaste da pandemia, ou por opção estratégica só na 25.ª hora” tenha dado “um pequeníssimo sinal de soluções possíveis, já depois do seu partido e do Governo estarem viciados no discurso da não compreensão da atitude dos outros e longe da assunção das suas responsabilidades”.

O professor universitário José Neves, na sua página de Facebook, faz uma análise sobre a forma como durante as últimas décadas, PCP e Bloco mantiveram “uma distância ideológica face ao PS, distância que se verifica nas inúmeras votações parlamentares em que comunistas e bloquistas falharam ao “interesse nacional”, às “regras europeias” e ao “equilíbrio” e “moderação” que irmanaram PS, PSD e CDS” mas ao mesmo tempo souberam fazer “a diferença na contenda entre esquerda e direita” em momentos decisivos.

Sobre o último período em que o PS governou em minoria, sublinha que estas forças políticas o sustentaram “sem pedirem em troca lugares de governo – apenas políticas e medidas concretas” e “estabeleceram acordos que, em muitos aspectos fundamentais, ficaram por cumprir”. Ainda assim, “permitiram que um partido minoritário se aguentasse por um tempo recorde à frente de um governo”.

Relativamente à rutura deste equilíbrio diz que para além do desejo de Costa de ir a eleições, PCP e Bloco “fizeram valer o seguinte princípio: a unidade da esquerda não justifica a erosão da sua pluralidade”. Uma erosão da pluralidade que se faz sentir também no interior do PS pelo que o problema “não é apenas que comunistas e bloquistas deixem de ter condições para apoiar o governo de António Costa; é que o governo de António Costa parece igualmente desinteressado da esquerda, a começar pela que faz parte do seu próprio partido.”

Não me parece que Costa possa reconstruir as pontes que se destruíram”

Por sua vez, a ex-candidata presidencial e militante socialista Ana Gomes tem marcado posição no Twitter. Já a 25 de outubro colocava o problema em termos das decisões da carreira política do próprio António Costa: se quiser ficar primeiro-ministro “faz o que PC pede: acaba com a caducidade da contratação colectiva. Se não, é porque prefere avançar para Presidente do Conselho Europeu em julho de 2022. Fica suspeita de que o Presidente da República lhe fez o jeito – a ele e ao PSD – ao ameaçar com eleições”.

Várias outras publicações vincam a sua discordância da posição de António Costa como por exemplo ter recordado que ano passado tinha dito, no seu espaço de comentário na SIC Notícias ser “muito perturbante” que o primeiro-ministro estar a “acenar com uma crise política”. A ex-diplomata cita ainda por várias Paulo Pedroso, nomeadamente na sua entrevista ao Público intitulada “Não me parece que Costa possa reconstruir as pontes que se destruíram”.

Nesta entrevista, o ex-ministro culpa diretamente o governo pelo chumbo do orçamento e mais particularmente António Costa que “deixou de ser a pessoa que está em melhores condições no PS para liderar um novo fôlego de entendimento à esquerda e para esse efeito tornou-se um problema quando até agora tinha sido sempre solução”.

Defende ainda que a situação imposta pelo PS iria mais tarde ou mais cedo gerar cansaço. Ou seja, o governo apenas permitia “que certas medidas que o PS também queria fossem feitas mais depressa… mas sem sair da agenda do PS” mas “no resto do ano, até no Parlamento, o PS governava com a sua agenda própria”.

Antes disso, na sua página de Facebook, a 24 de outubro, dizia que o governo tinham duas opções “perante a mão que Jerónimo e o PCP continuam a estender-lhe após seis anos a permitir-lhes governar sem interferir drasticamente com a agenda do PS, aceitando ter ganhos de causa (aumentos extraordinários de pensões, creches gratuitas, progressividade no IRS) sem os reivindicar e a ser penalizado eleitoralmente”: ou ceder “uma vez, seis anos depois, a algo que é da agenda do PCP e não é da agenda do PS” e continuar a governar ou forçar aquele partido “a não conseguir nenhum dos pontos da sua agenda que conflitue com o PS” conduzindo-o “ao dilema entre a suprema humilhação e derrubar o governo num momento mau para toda a esquerda”.

Governo “nunca prestou contas sobre as suas opções de não concretizar despesa orçamentada e aprovada pelos parceiros”

O jornalista e investigador João Ramos de Almeida no blogue Ladrão de Bicicletas, num texto intitulado “O lado invisível do OE”, analisa a analogia entre a votação do PEC4 que levou à demissão do governo de Sócrates e a do Orçamento do Estado para 2022 para desfazer a ideia de que foram os votos da esquerda a trazer a direita para o poder.

Sobre o PEC4, lembra as medidas de austeridade que continha e que agravava as medidas dos pacotes anteriores que já visavam “provocar uma ruptura financeira que forçasse a intervenção externa que, por sua vez, financiasse sobretudo a banca francesa e alemã – que apostara nos juros altos da dívida pública nacional”. Por isso, o seu chumbo era “justo” e “se não fosse o PEC4 a ser chumbado, seria o seguinte, porque nenhum deles resolveria os problemas nacionais. Pelo contrário, agravava-os e a esquerda não poderia apoiar esse programa”.

Quanto o OE para 2022, sublinha as suas “enormes fragilidades”, como a “opacidade de quem o gere, que nunca presta contas sobre as suas opções de não concretizar despesa orçamentada e aprovada pelos parceiros, acumulando défices materiais na provisão pública na saúde, na educação, na cultura, nas despesas sociais, etc.”.

Ramos de Almeida questiona assim “por que razão o Governo se mostra incapaz de cumprir orçamentos ou de mudar a lei laboral que, como os próprios socialistas admitem, promove os baixos salários e desequilibra a relação laboral”. E oferece três alternativas de resposta: ou “Bruxelas e Frankfurt não querem”, ou “os patrões não querem e eles acabam por mandar”, ou “o Governo não quer porque, na realidade, prefere salários baixos porque uma subida de salários contribui para a subida do investimento e, com elas, as importações tendem a subir, contribuindo para desequilibrar as contas externas”. Assim, conclui que “o Governo tem uma insanável contradição no seu programa” e “Portugal tem um problema que este Governo se recusa a encarar: como crescer sem desequilibrar as contas externas”. O PS não tem resposta a esta questão, “adia e aperta as contas, gere a crise nacional, enquanto dia após dia, Portugal se afunda às mãos de uma armadura imposta de fora, impregnada de um ideário neoliberal”.

Também a ex-ministra da educação Maria de Lurdes Rodrigues, na sua página de Facebook, a 25 de outubro, escrevia que “esta é a negociação que não podia falhar” e confessava a sua “desilusão” com o PS. Porque “implica o falhanço de mais de seis anos de construção de soluções políticas que, não sendo perfeitas, resultavam de um compromisso com os cidadãos que votam PS, PCP e BE”. Assim, “para, no futuro, continuarem a ter a confiança dos cidadãos”, o PS e o governo “não podem falhar esta negociação”. Aceitar este falhanço seria que “ou o PS e o Governo estão convencidos de que não há qualquer possibilidade de perderem eleições antecipadas (e a isso chama-se, para não dizer mais, excesso de confiança); ou desistiram de liderar os destinos políticos país”.

Publicado por Esquerda.net a 31 de outubro de 2021

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