Quer ao nível nacional quer ao nível local, o Partido Socialista cavalgou as últimas campanhas legislativas e autárquicas reclamando para si ser a derradeira barreira contra a extrema-direita. É uma boa narrativa e discurso para consumo externo, mas diz-nos pouco sobre o que se passa na prática. No caso do concelho de Mangualde, governada por um executivo socialista, a prática diz-nos que estão a fazer tudo menos aquilo que faz funcionar a extrema-direita. É absolutamente contraditório combater a extrema-direita perpetuando o racismo – estrutural – na forma da guetização da comunidade cigana residente no Bairro da Nossa Senhora do Castelo, e, já agora, de quem aí reside e que não faz parte da comunidade. Não compreender isto é fingir que se combate a discriminação social por motivos étnicos e contribuir para a perpetuar.
E é por isso que nos choca ver que o presidente da Câmara Municipal de Mangualde, Marco Almeida, está mais preocupado em que os habitantes do bairro regularizem as suas contas, que fazem parte do tesouro municipal (água e renda), do que em assinalar, com gestos concretos e não promessas vãs que já duram há décadas, uma solução habitacional para os moradores que lhes garanta um pilar de dignidade social. Sem o Estado garantir o acesso a bens sociais básicos que garantam aos cidadãos um mínimo de dignidade é o Estado que falha perante os seus cidadãos, antes de estes falharem perante o Estado. Mais uma vez, não compreender isto, não é combater a extrema-direita. Não são só os cidadãos que têm deveres perante o Estado, é o Estado, antes de tudo, que tem deveres perante os cidadãos. E o dever de zelar pela não degradação dos bairros que constam do imobiliário municipal é um dever que no que respeita ao Bairro da Nossa Senhora do Castelo nunca foi cumprido. O município está em falta com os habitantes do bairro desde há décadas.
Referir-se a essa mancha na concretização prática da igualdade como uma “lacuna que foi detectada”, consoante a expressão surge nas declarações ao Jornal do Centro, é engolir o problema em eufemismos e numa linguagem burocrática que só comunica total insensibilidade com as condições de vida de quem mora no bairro. É ainda menos compreensível, e que deve mobilizar a revolta de todos e de todas que desejam um concelho socialmente mais coeso e igualitário, ler o presidente da câmara, nas mesmas declarações, a acenar com a possibilidade de “numa fase seguinte, [podemos] dar resposta às necessidades do Bairro da Nossa Senhora do Castelo”. Como se de facto existissem muitos bairros no município e como se de facto o Bairro da Nossa Senhora do Castelo não fosse, por excelência, a prioridade das prioridades.
Por tudo isto, e tendo em conta o investimento anunciado para a reabilitação urbana no quadro da Estratégia Local de Habitação, não podemos senão condenar com veemência a insensibilidade do executivo camarário no que respeita às prioridades habitacionais e não podemos senão afirmar que o executivo não está a combater a extrema-direita, mas, antes, a alimentar a discriminação por motivos raciais e/ou éticos.