“Qualidade da assistência materna e neonatal na altura do parto durante a pandemia da COVID-19: inquérito online que investiga as perspetivas maternas em 12 países da Região Europeia da OMS” é o título do artigo que acaba de ser publicado na revista The Lancet Regional Health – Europe. Este trabalho foi desenvolvido no âmbito do estudo “Improving MAternal Newborn CarE in the EURO Region – IMAGINE EURO”, do Centro Colaborador da Organização Mundial de Saúde (OMS).
O artigo agora publicado conta com dados relativos a doze países, designadamente Portugal, Itália, Suécia, Noruega, Eslovénia, Alemanha, Sérvia, Roménia, França, Croácia, Luxemburgo e Espanha. Foram recolhidas informações junto de mais de 21 mil mulheres, sendo 1685 portuguesas.
Com esta investigação, “pretendeu-se traçar um retrato europeu do nível de cuidados disponibilizados às mães durante este período”, refere Raquel Costa, investigadora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), responsável pela coordenação do projeto IMAGINE EURO em Portugal, e coordenadora do laboratório Saúde Mental Perinatal e Pediátrica, do Laboratório associado para a Investigação Integrativa e Translacional em Saúde Populacional (ITR), coordenado pelo ISPUP.
“Este trabalho foi igualmente realizado para entender o grau de preparação que estes serviços têm para atender às necessidades específicas da COVID-19”, acrescenta a investigadora.
Percentagem de episiotomias em Portugal é o dobro da média europeia
Quanto aos indicadores mais significativos para a avaliação da qualidade de cuidados materno-infantis em mulheres que tiveram trabalho de parto, 31% das mulheres portuguesas auscultadas revelaram ter tido um parto vaginal instrumentalizado, ou seja, um parto em que foram utilizados fórceps ou ventosas para facilitar a expulsão do feto, em comparação com uma média europeia de 11%.
A percentagem da realização de episiotomias, incisões feitas no períneo para ampliar o canal de parto, em partos eutócicos (partos vaginais sem recurso a instrumentos) fixou-se nos 41%, em Portugal, contrastando com uma média entre os países participantes de 20%. Esta prática é, atualmente, não recomendada pela OMS.
A manobra de Kristeller, outra prática não recomendada pela OMS, que consiste na aplicação de pressão externa sobre o útero, foi realizada em 41% das mulheres com partos vaginais instrumentados nos países em estudo, subindo esta percentagem para os 49% em Portugal.
Já o contacto pele-a-pele, um procedimento realizado imediatamente após o parto, em que o recém-nascido é colocado sobre o peito da mãe, e que comporta benefícios para o bebé ao nível da prevenção da hipotermia e promoção da amamentação (sendo uma prática importante e recomendada pela OMS), não foi realizado em 9% das mulheres que passaram por trabalho de parto nos países europeus em estudo, durante a pandemia, tendo esta percentagem subido para os 17%, no caso português.
Em Portugal, uma em cada quatro mulheres (26%) consideraram ter recebido apoio inadequado à amamentação por parte dos serviços de saúde e 22% não estariam a amamentar exclusivamente aquando da sua alta hospitalar.
Das mulheres portuguesas que pariram por cesariana, 32% tiveram de realizar uma cesariana de emergência antes do trabalho de parto, em linha com a percentagem europeia.
O contacto pele-a-pele não foi realizado em 35% das mulheres europeias que tiveram um parto por cesariana, descendo para 30% no caso das portuguesas. No que diz respeito ao apoio à amamentação, a nível europeu, 37% das mulheres com parto por cesariana consideraram o apoio inadequado, enquanto que, a nível nacional, o número desceu para os 26%.
A experiência das mulheres quanto aos cuidados recebidos durante o parto
Relativamente à experiência quanto aos cuidados recebidos durante o parto, 43% das mulheres com parto eutócico, a nível europeu, revelaram não ter tido opção de escolha da posição para o parto, número que sobe para os 65% em Portugal.
63% das portuguesas indicaram não lhes ter sido pedido qualquer consentimento para a realização do parto instrumentado, valor que contrasta com uma média de 54%, considerando todos os países participantes.
Em Portugal, 28% das mulheres revelaram existir uma comunicação ineficaz por parte dos profissionais de saúde e 41% disseram não ter tido envolvimento nas escolhas durante o parto. 32% referiram não ter sido tratadas com dignidade, e 39% não ter recebido apoio emocional. 23% das mulheres reportaram mesmo ter sido vítimas de abusos físicos, verbais ou emocionais durante o parto, por parte de profissionais de saúde.
No caso das mulheres que não experienciaram trabalho de parto, 37% consideraram não ter tido envolvimento nas escolhas, 26% não ter sido tratadas com dignidade, 30% não ter tido apoio emocional, e 17% ter sofrido abusos físicos, verbais ou emocionais.
O impacto da pandemia nos cuidados prestados
Relativamente à disponibilidade de recursos físicos e humanos, 29% das portuguesas que experienciaram trabalho de parto indicaram não ter recebido informação acerca de possíveis sinais de perigo maternos durante o parto, e 45% referiram não ter recebido esta informação relativamente aos recém-nascidos.
Quanto às horas de visitas por parte do ou da acompanhante, a nível europeu, 62% revelaram considerar as horas de visita inadequadas, subindo este valor para 67% em Portugal. Das mulheres portuguesas que pariram por cesariana, 56% consideraram as horas de visita inadequadas.
Os impactos da pandemia de COVID-19 foram sentidos, principalmente, na diminuição das consultas de rotina ao longo da gravidez e na escassez de cuidados materno-infantis durante o período pandémico.
Os investigadores envolvidos no projeto destacam a importância deste estudo tanto a nível europeu, como a nível nacional, devido à escassez de informação sobre a qualidade de cuidados materno-infantis.
Artigo publicado em Esquerda.net