Nelson Silva nasceu em Mirandela e cresceu numa aldeia do concelho de Torre de Moncorvo. Formado em produção e tecnologias da música, trabalha como técnico de som na RTP no Porto. Mas como nunca esqueceu o interior – “sempre fui muito ligado à terra” – em 2015 começou um projeto de produção de amêndoa e de mel na aldeia onde cresceu. Além desses produtos que vende, tem pomar e alguns animais para autoconsumo. Apesar de passar mais tempo na cidade, é no interior que se sente realizado. No futuro deseja conseguir mudar-se para Trás-os-Montes e dedicar-se a atividades nesta região, complementando a agricultura com o turismo rural porque a geografia da região é “complicada, com bastantes rochas e a agricultura torna-se mais difícil – é difícil viver só da agricultura a não ser que se tenha uma extensão de área muito grande”.
Nelson Silva é, também, dirigente sindical e tem acompanhado o movimento cívico de agricultores de Trás-os-Montes. Foi entrevistado pelo Interior do Avesso sobre o tema da agricultura na região:
Atualmente, quais os maiores desafios que enfrenta enquanto agricultor?
Começando pelos apoios que o Estado tem dado, muitas vezes olham para as situações com régua e esquadro; ou seja, há uma fórmula que se aplica a todo o território. Mas é impossível um agricultor transmontano concorrer com a agricultura alentejana, por exemplo, que é extensiva. As questões da geografia tem bastante influência, principalmente nas pequenas e médias explorações.
Na agricultura em Trás-os-Montes temos outro problema, que é a desertificação – estão cada vez menos jovens a agarrar a atividade. Os projetos que existiram há alguns anos conseguiram chamar alguns, mas o sonho americano que lhes vendiam foi por água abaixo; ou seja, as rentabilidades que estavam apresentadas nos projetos como exequíveis eram impossíveis. Era impossível viver desses projetos. Falo por mim, que tento tratar de tudo o melhor possível, mas a rentabilidade é inferior à do projeto. O que está a acontecer agora, e passamos à questão das manifestações, é que houve um corte nos subsídios (entre 25 e 30%). O que é que eu vejo? Na agricultura biológica de Trás-os-Montes, as pessoas usam o que produzem basicamente para os custos de exploração – o que eu consigo tirar da Terra é o que eu deixo na Terra para as lavras, adubações, tratamentos… Portanto, esses subsídios tornaram-se o ordenado dos agricultores. Essa quebra de rendimentos inesperada gerou descontentamento em toda a Europa. A minha leitura é que temos 3 tipos de agricultura: a agricultura que se direciona para o supermercado, digamos para alimentar as massas, em que as pessoas se dedicam a 100% à produção; os pequenos/médios projetos como eu tenho em que se produz a pensar na venda, mas complementando com uma outra atividade; e a agricultura de subsistência e familiar. Todos eles têm riscos diferentes. Para um agricultor que depende essencialmente da agricultura quando há um corte ou uma baixa produção é um problema porque vai passar dificuldades.
Além disso, ainda temos outro problema que é os custos de produção subiram brutalmente sem que o valor do produto tenha subido. Portanto, esses agricultores, nomeadamente o primeiro e segundo tipo, entregam o produto, normalmente em cooperativas, que têm esmagado os preços. Tenho visto o preço da amêndoa a cair drasticamente… Há maiores custos e menores lucros. E esse é um paradigma que tem que se mudar.
Depois, e principalmente no caso da produção biológica em que somos obrigados a estar numa cooperativa, a carga burocrática a que o agricultor está sujeito é imensa. E temos ainda as alterações climáticas que estão a começar a chegar aqui e as produções a cair. No caso das abelhas, por exemplo, temos tido dificuldade em mantê-las porque precisamos de as alimentar. A apicultura é das atividades com menos apoios e os anos não têm sido favoráveis – na época da floração em Trás-os-Montes chove e precisávamos de sol.
Que medidas considera que deviam ser implementadas para apoiar a agricultura e os agricultores?
Acho que temos de mudar o modelo de negócio na agricultura, complementando-a com outras atividades, nomeadamente, na nossa região, o turismo. Eu vejo um projeto como o meu agregado a um projeto turístico de pequena escala, com 3 ou 4 quartos e uma lojinha de venda dos meus produtos e dos vizinhos – os portugueses têm dificuldade a trabalhar com os vizinhos, mas é algo que temos que mudar.
Outra coisa passa pelos apoios estatais. Tem de haver uma diferenciação: tratar por igual o que é igual e por diferente o que é diferente. Mais importante do que isso, o agricultor não pode ser transformado num burocrata. Eu não sou contra os vários estudos e pareceres, mas acho que não tem que ser o produtor a andar atrás disso – ao agricultor compete produzir. Talvez se devesse arranjar um balcão único que tratasse das questões todas. Aí entram as pequenas associações, porque as grandes estão sentadas com os ministros – achar que as grandes associações vão ser parte da solução, porque os agricultores começaram um movimento… A pergunta que eu faço é: porque não foram no passado? Eu vejo que as grandes organizações não podem ser parte da solução, porque não foram até agora. As soluções estão cada vez mais nas bases, que são os agricultores. É preciso ouvir os agricultores.
Ainda sobre medidas: é preciso mexer na questão do custo do gasóleo e nos preços dos produtos – temos produtos importados que não têm as mesmas exigências e entram no mercado com preços inferiores e fazem com que nós tenhamos de vender os nossos produtos também a preços mais baixos. O Estado devia consumir mais produtos nacionais, por exemplo, nas cantinas que tutela em empresas públicas e escolas. Devia haver uma obrigação de consumir português – apoiar a produção nacional e só comprar fora o que não é produzido em Portugal.
Da parte das Câmaras Municipais, tem que haver eventos diferenciados. Eventos ligados às nossas raízes, à nossa cultura, à Terra. Precisamos desses eventos para escoar produto. Para isso, também precisamos de acessibilidades. Quem tem carro já consegue deslocar-se bem em Trás-os-Montes, mas quem não tem, não encontra alternativas – não há uma grande rede de transportes públicos. Temos que trazer gente para o interior e só se traz gente com infraestruturas e com qualidade de vida.
Também é preciso formação para agricultores sobre como tirar o máximo partido da Terra sem a danificar – uma agricultura mais sustentável. Nós fazemos empiricamente e, portanto, pode ser melhorado.
Porque é que participou no Movimento Cívico de Agricultores? Sente que este movimento cívico uniu os agricultores do país?
O Movimento Cívico de Agricultores começou de forma espontânea – alguém começou por criar um grupo no WhatsApp e o que acontece lá é a marcação de manifestações. Quando o poder político não tem competência para lidar com as situações, estes movimentos surgem. E com as redes sociais, hoje em dia são muito mais rápidos. Eu acho que são bons, uma boa iniciativa. A manifestação até levou a que a Ministra estivesse em Macedo a ouvir um grupo de agricultores que representava o Movimento e levava reivindicações.
Na minha perspetiva, podem ser grupos que evoluem para outro patamar, implementando uma discussão mais séria e levando para outro nível de conhecimento. São grupos onde está representada a agricultura familiar, o agricultor de pequena/média produção, mas também os grandes agricultores. Estão lá todos os tipos e esse tipo de representatividade é importante. Em geral, há objetivos comuns. Claro que há discussão e falta de entendimento algumas matérias porque cada um olha mais para o seu tipo de agricultura e para o que faz – há sempre essa tendência de olharmos mais para o que conhecermos melhor; mas no essencial os objetivos comuns estão lá. Sabemos que é preciso mudar algo, que algo está mal na agricultura porque está a ser abandonada e maltratada. Quase temos a sensação que nos querem pagar para deixar de produzir. É um paradigma que não pode acontecer, temos de ser apoiados para produzir.
Em relação ao Movimento, vamos ver o que vai dar. Na minha ótica, seria muito importante fazer quase o que o movimento sindical faz; ou seja, apresentar anualmente um caderno reivindicativo. A grande mensagem que tem de passar para o poder político é que a base tem de ser ouvida – a base é que sabe como é que se fazem as coisas, porque é a base que põe a mão na Terra e sente as dificuldades.
Que compromisso esperam por parte do Governo e da Ministra?
Este movimento começou por exigir, basicamente, a reposição dos subsídios. É um início, mas eu acho que há mais trabalho a fazer e não pode ficar por aqui no sentido de avançar com as coisas que já falei – livrar o agricultor da burocracia, dar mais formação… Gostava que os movimentos não se desfizesse, mas eu sou um e não sei o que vai acontecer. Já que as pessoas se conseguiram unir, era bom que continuássemos de forma mais assertiva e organizada para defendermos como queremos que o interior seja. Como é que trazemos mais jovens? Como é que queremos a nossa agricultura?
A agricultura em Portugal deixou de ser um negócio para ser uma paixão. Não dá para viver, para sustentar uma família (nem uma pessoa!) porque os rendimentos são baixos. Nestes movimentos há gente para ouvir – gente que alimenta o país e é preciso ouvi-los.