Agricultores: bloqueios de estradas chegam a Portugal

Várias zonas fronteiriças e outras estradas do país foram cortadas ou condicionadas. Protesto dos agricultores europeus bate à porta da cimeira em Bruxelas. Bloco defende modelo de financiamento para apoiar os pequenos e médios agricultores e adaptação às alterações climáticas (Notíca de Esquerda.net)
Bloqueio da A25 junto a Vilar Formoso. Foto de MIGUEL PEREIRA DA SILVA/LUSA. Via Esquerda.net

Agricultores em protesto cortaram ou pelo menos condicionaram a circulação na manhã de quinta-feira na A25, perto da fronteira de Vilar Formoso e na A6 na fronteira do Caia, cada uma com 200 tratores. Os cortes de estrada aconteceram também na Golegã, na zona perto da ponte da Chamusca, com cem tratores, em Mogadouro, no distrito de Bragança, com cerca de 50 tratores, e na Estrada Nacional 260, na zona de Vila Verde de Ficalho, com 45 tratores. Estes números são os indicados pela GNR à agência Lusa, já que os agricultores avançam com números maiores deste movimento que segue os protestos ocorridos em vários pontos da Europa.

Em Portugal, as ações foram convocadas por um “Movimento Civil de Agricultores” desconhecido até à altura e que se apresenta como “espontâneo e apartidário”. Em comunicado, afirma que as reivindicações principais são o direito à alimentação adequada, condições justas e valorização da atividade agrícola e vincou que os agricultores estão preparados para “se defenderem do ataque permanente à sustentabilidade, à soberania alimentar e à vida rural”.

À TSF, um dos seus porta-vozes, António Saldanha, exige “soluções imediatas para o problema” e “garantia de estabilidade”, acrescentando que “a classe política que temos é uma classe política que diz promessas, mas que infelizmente cumpre muito poucas”.

No terreno, os agricultores especificam outras queixas. À Lusa, no Mogadouro, distrito de Bragança, havia cartazes que diziam “o nosso fim é a vossa fome” e Dário Mendes explicava que saía à rua pelo “abandono” a que o setor estará votado e porque o pagamento de ajudas “chega tarde e a más horas”, para além de que “estão previstos cortes de 35% nos apoios a produção em proteção integrada”, isto depois de as candidaturas terem sido feitas “dentro da lei obedecendo às diretivas do Governo”.

Por sua vez, a Confederação Nacional da Agricultura marcou uma marcha de tratores para Estarreja na sexta-feira e participa na manifestação de agricultores em Bruxelas esta quinta-feira. E a Confederação de Agricultores de Portugal ressalva que compreende as razões da revolta, mas “toma a posição de não organizar nem participar em ações que condicionem o normal e regular funcionamento do Mercado Único e impeçam a livre circulação de bens agrícolas”.

Os protestos seguem-se ao anúncio do Governo, nesta quarta-feira, de um pacote de ajudas no valor de quase 500 milhões de euros para mitigar o impacto provocado pela seca e reforçar o Plano Estratégico da Política Agrícola Comum.

Bloco quer modelo de financiamento para apoiar os pequenos e médios agricultores e adaptação  às alterações climáticas

Questionada pelos jornalistas à margem da visita a uma escola em Lisboa, Mariana Mortágua lembrou que o Bloco de Esquerda “tem denunciado desequilíbrios na atribuição de apoios há muito tempo” e defendeu que “é preciso revisitar modelo de financiamento para apoiar os pequenos e médios agricultores e adaptar agricultura a alterações climáticas”.

“Queremos um modelo de apoio a agricultores e não de uma agricultura financeirizada e intensiva que vai destruindo o território e as formas tradicionais de fazer agricultura, que têm de ser melhoradas e modernizadas”, prosseguiu a coordenadora bloquista, acrescentando que além dos custos acrescidos com a seca, a grande distribuição “comprime as margens da agricultura, deixando muitos custos e muitos poucos lucros para os agricultores”.

“Cada vez mais, assistimos à entrada no país não de agricultores mas de fundos de investimento internacional responsáveis por uma concentração de propriedade brutal, por agricultura intensiva que nem sequer é para o mercado português, que destrói os terrenos e serve a exportação de luxo. Procuram apenas rentabilidade rápida”, prosseguiu.

No que diz respeito à distribuição dos apoios, Mariana Mortágua sublinhou que “os grandes proprietários de terras recebem uma proporção desequilibrada dos apoios à agricultura, deixando a maior parte dos agricultores sem o apoio que deviam ter”. E criticou os critérios da PAC na distribuição desses apoios, “que passam não pela produção efetivamente feita mas pela quantidade de terra”, considerando-os “recompensa por aquilo que já se produziu no passado mas já não se produz. Ou seja, continua a haver subsídios para a não produção “e ao mesmo tempo há tantos agricultores que precisam destes apoios para poderem continuar a produzir e para que Portugal consiga ter independência na capacidade de alimentar o país”.

Para o Bloco, a defesa da soberania alimentar e da adaptação às alterações climáticas é uma transformação que passa por apoiar o setor agrícola, pelo que não compreende a razão para que esses apoios estejam em causa. Sobre o anúncio do Governo de que vai libertar mais uma verba de apoio, Mariana Mortágua diz ser “sempre curioso perceber por que é que um governo de gestão liberta algumas verbas e não liberta outras, pode fazer umas coisas mas não pode fazer outras”. E agora que se conhece o excedente orçamental de 4.3 mil milhões de euros “perguntamos: quais foram as prioridades da maioria absoluta? Não foi para o apoio à agricultura, por exemplo”, concluiu a coordenadora bloquista.

Tratores invadem também Bruxelas

Com a cimeira de líderes da União Europeia desta quinta-feira a dedicar-se também aos problemas da agricultura, apesar de o tema não estar na ordem do dia, o bairro europeu de Bruxelas foi invadido por tratores a buzinar e a circular interna da cidade foi palco de uma marcha lenta. Também várias estradas nacionais de acesso à capital belga assistiram a manifestções do mesmo género.

A ação em Bruxelas conta com representantes de associações de agricultores de vários países europeus, entre os quais portugueses.

A Comissão Europeia anunciara já na véspera destes protestos a introdução de “salvaguardas”, isto é limites, à entrada de produtos agrícolas provenientes da Ucrânia e a suspensão por um ano da medida que obriga a manter uma pequena percentagem das terras em pousio. O acordo de “livre comércio” com o Mercosul ficará também ele em pousio, uma das exigências de alguns dos setores agrícolas europeus, preocupados com a concorrência futura dos produtores sul-americanos.

Outras questões que estão no centro das reivindicações serão mais dificilmente aceites pela Comissão. Vários dos movimentos de agricultores exigem o fim de regulamentação de proteção ambiental, colocando em causa a Agenda Verde Europeia.

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