Daniela Costa, autora do romance “ Uma bomba a iluminar a noite do Marão”, destaca em entrevista ao esquerda.net a importância de “Contar esta história para que se conheça a grandeza do caráter dos seus protagonistas e se possa repetir o refrão: ‘Não vos mataram, semearam-vos’!”
Nesta entrevista, Daniela Costa destaca que “o Padre Max era um educador que levava a cabo a sua missão com integridade e ousadia”, que se mostrava “incorruptível”, o que gerava grande influência na juventude de então. “Maria de Lurdes foi o rosto de uma juventude que buscava possibilidades de ser e agir alternativas”, explica.
Porque escolheu esta temática para escrever um livro (“Uma Bomba a Iluminar a Noite do Marão”)?
Sou natural de Vila Real, onde cresci durante os anos 80 e 90 sem me ter apercebido da existência do Padre Max e da Maria de Lurdes. Não me lembro de ter ouvido a história do atentado bombista, ainda que nesses anos estivessem a acontecer em tribunal vários eventos relacionados com o julgamento do caso.
Só muito mais tarde, li um artigo na Visão sobre o atentado bombista. Impressionou-me por ter acontecido tão perto de mim e haver tão pouca memória. Por curiosidade, comecei a puxar o assunto com os meus pais, que me foram remetendo para outras pessoas da sua geração que tinham conhecido os protagonistas. Ouvi muitas histórias, visitei locais onde a ação se passara, como a casa da avó da Maria de Lurdes, o cemitério, o Liceu… Consultei o processo no tribunal de Vila Real e li livros e artigos que ajudaram a compreender melhor o tema e a época histórica.
Às tantas, as vozes das testemunhas começaram a aumentar de volume dentro de mim e entendi que tinha de lhes dar espaço. A escrita deste romance foi uma experimentação, uma forma de deixar vir ao de cima os ecos de verdade e justiça que as vítimas merecem.
Do seu conhecimento e da investigação que fez, o que nos pode dizer sobre o Padre Max, a sua ação e a sua vida? E sobre a biografia de Maria de Lurdes? O que considera bom que as novas gerações soubessem sobre as suas vidas?
O Padre Max era uma alma grande, insuflada por uma assombrosa liberdade interior. Dono de um coração sensível perante cada irmão; em vez de se ficar pela revolta ou pelo protesto perante os problemas, metia as mãos na massa e inventava soluções. Tinha uma enorme capacidade de ação, que julgo que usou sobretudo em duas frentes: na educação (além de ser professor, pertencia à comissão de gestão do Liceu, organizava explicações para quem não tinha oportunidade de frequentar o ensino oficial, cursos de alfabetização, grupos de teatro, entre outros) e na defesa dos trabalhadores. Ouvi relatos de diversas atitudes em que se colocava em segundo lugar para servir o próximo: fosse dar um conselho a um amigo desanimado; fosse encontrar um livro de geografia para uma estudante que se propunha a exames sem conseguir frequentar as aulas; fosse dar uma boleia a um vizinho que precisava de ir ao hospital. Viveu o Evangelho com grande radicalismo e escolheu não fugir – enfrentando ameaças de morte – para prosseguir a missão que escolhera e que consistia, entre muitos outros campos de ação, em lutar politicamente (como candidato da UDP pelo círculo de Vila Real). Exercia especial influência nos jovens, motivo pelo qual era temido e perseguido.
A Maria de Lurdes pertencia ao grupo dos que o apoiavam e colaboravam em atividades concretas, no seu caso dando aulas noturnas de alfabetização a trabalhadores rurais. Era uma rapariga de origens humildes, filha de emigrantes em França, tal como o Padre Max. Estudava no Liceu e viveu com grande empolgamento o período revolucionário, defendendo ideais de justiça e fraternidade. Vivia com a avó e a irmã mais nova numa casa onde o Padre Max alugou um quarto. A proximidade com o Padre Max fez dela alvo de boatos e maledicências, em vida e em morte. E o foco na especulação acerca da sua vida íntima desviou a atenção dos atos de coragem e generosidade que protagonizou.
O que gostaria de destacar sobre este atentado bombista no momento em que passam 45 anos?
Entre os diversos prismas a partir dos quais poderia comentar este crime hediondo, opto por colocar a ótica no poder que um educador representa. Na Grécia Antiga, Sócrates foi condenado à morte por corromper a juventude com a sua filosofia. Não é uma história de tempos idos; em 2020, Samuel Paty foi assassinado brutalmente em França por falar de liberdade de expressão numa aula.
O Padre Max era um educador que levava a cabo a sua missão com integridade e ousadia. Mostrava-se incorruptível, o que exercia grande influência nos jovens que procuravam novos modelos. Maria de Lurdes foi o rosto de uma juventude que buscava possibilidades de ser e agir alternativas.
Os poderes instalados sentiram-se ameaçados e organizaram-se para o eliminar.
Foi provado em tribunal que o crime foi perpetrado pelo MDLP, organização que planeou e financiou o atentado. Porém, esta condenação chegou com 23 anos de atraso e os alegados executantes foram absolvidos por falta de provas.
Importa, por isso, fazer memória. Resgatar do esquecimento vidas que não foram em vão. Contar esta história para que se conheça a grandeza do caráter dos seus protagonistas e se possa repetir o refrão que milhares de pessoas proferiram no dia do funeral de Max e Maria de Lurdes: ‘Não vos mataram, semearam-vos’!
Entrevista realizada por Carlos Santos para esquerda.net, publicada a 6 de abril de 2021
Mais artigos no Interior do Avesso sobre o assassinato do Padre Max e de Maria de Lurdes