O que te levou a encabeçar esta candidatura?
Aquilo que me levou a encabeçar esta candidatura foi o facto de termos vindo, há dois anos, de uma eleição onde o voto útil no Partido Socialista foi um grande obstáculo ao reforçarmos aquela que continua a ser a posição do Bloco de Esquerda. Mas principalmente porque as pessoas saberão reconhecer melhor do que nunca que este voto acabou por não lhes ser útil: a maioria absoluta não lhes trouxe a estabilidade prometida, as suas vidas não melhoraram, os salários continuam estagnados, os serviços públicos em rutura.
Este não tem que ser um cenário constante para Portugal, e para o interior. Assumimos o compromisso, com esta candidatura, em querer ser uma esquerda com força para ditar a governação no dia seguinte às eleições, e garantir que vamos fazer o que nunca foi feito. Sou cabeça de lista de um conjunto de pessoas de diferentes lutas, que não deixam ninguém para trás. Esta é uma candidatura onde o voto no Bloco é a garantia de melhores salários, uma vida boa assente na defesa do SNS, no reforço da Escola Pública, na luta por uma maior coesão territorial, onde o interior seja, efetivamente, valorizado.
Com base na tua experiência enquanto profissional e/ou ativista, o que nos podes dizer sobre (des)igualdade de género no interior?
No domingo celebrámos os 17 anos da despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG). Apesar da IVG ser um direito consagrado em Portugal, ainda existem várias limitações, não apenas na própria lei, como na aplicação da mesma no Serviço Nacional de Saúde, por questões administrativas e por falta de resposta e capacidade dos serviços.
Em 2018 o Bloco de Esquerda constatou que em muitos hospitais não existia a disponibilização de consultas prévias para a realização da IVG, obrigando muitas pessoas grávidas a várias deslocações, servindo isto também como forma de desincentivar as mesmas, assim como a não existência de respostas por parte de unidades de saúde públicas.
Para que este seja finalmente um direito a um aborto livre, seguro e para todas é necessário:
- Descentralizar as práticas do aborto médico para centros de saúde e unidades de saúde familiar;
- Garantir que nos concursos de ingresso há vagas preenchidas por profissionais não objetores de consciência;
- Alteração na lei nº16/2007 para retirar obstáculos à realização da IVG;
- Fim do período de reflexão obrigatória e da intervenção de dois médicos na IVG;
- Alargamento do prazo para a IVG por decisão da pessoa grávida até às 12 primeiras semanas.
Para se combater a desigualdade de género em muitos dos territórios do interior é preciso que exista um princípio de igualdade no acesso aos cuidados de saúde, independentemente da zona de residência de cada uma destas pessoas, de modo a que a IVG seja um direito acessível para todas.
Qual a(s) maior(es) preocupação(ões) no teu distrito?
Ao pensarmos quais as preocupações e propostas para territórios do interior, neste caso para o distrito da Guarda, mas que se podem aplicar a tantos outros pensamos em: saúde, clima, coesão territorial e mobilidade, serviços públicos, agricultura e proteção contra os incêndios.
Na saúde, a incapacidade de diálogo com os profissionais e a insistência do não investimento chegou a um ponto de rutura, prejudicando os habitantes desta região que vêm cada vez mais distante o acesso aos cuidados de saúde. As nossas propostas: reforço e aprofundamento das valências dos serviços de saúde de proximidade; reabertura de extensões de saúde e aposta nos serviços de atendimento urgente; reforço do número de trabalhadores/as da ULS; mais profissionais no SNS através da exclusividade com majoração de 40% do salário.
Para a proteção florestal contra os incêndios: defendemos o reforço de todas as equipas profissionais de proteção e combate aos incêndios valorizando as pessoas e tornando as carreiras mais atrativas, garantindo a sua continuidade nos territórios; a remuneração de serviços de ecossistema e gestão comunitária como alternativa às monoculturas; a promoção de políticas de territorialização da produção e do consumo em proximidade.
As desigualdades do país são provocadas por uma economia do privilégio, e esta pode ser combatida através de um processo participado e democrático de Regionalização, reforçando aqueles que são os serviços públicos de proximidade às populações tantas vezes esquecidas. Defendemos uma mobilidade acessível que une comunidades, com aposta no passe gratuito, com horários que correspondam às necessidades reais da população. A eliminação das portagens para as autoestradas de acesso às regiões do interior, e a antecipação do fim das PPP rodoviária. Reforçamos, também, a importância da reabertura da Linha da Beira Alta, obra com 3 anos de atraso, pois ferrovia é sinónimo de liberdade e mobilidade, visto que facilita o acesso a serviços essenciais, à possibilidade de estudar ou trabalhar longe de casa, e a ligação entre comunidades e economias com menor impacto ambiental.
Que filme e que livro gostarias de partilhar?
Um filme que recomendo muito é “Elas também estiveram lá: quotidianos de resistência e de revolução de mulheres” de Joana Craveiro. Este é um filme que nos apresenta testemunhos de mulheres sobre a sua vivência durante a ditadura do Estado Novo, no próprio dia do 25 de Abril de 74, e no processo revolucionário que se seguiu. No ano em que celebramos os 50 anos da Revolução, penso que esta seja uma obra importantíssima a ver para mostrar que nós enquanto mulheres sempre estivemos lá. Nos movimentos sociais, nas revoluções e nas formas de resistência quotidianas, porém estávamos em lugares que são, ainda hoje, invisíveis. A cozinhar, a limpar, a cuidar, nos campos agrícolas, nas fábricas, corpos esquecidos, que ficam em lugares esquecidos e que, por consequência, também ficam esquecidas da história. Que as possamos recordar, celebrar, pensar, porque elas estiveram lá.
Um livro que gostaria de partilhar é a minha última leitura: “Lenços pretos, chapéus de palha e brincos de ouro” de Susana Moreira Marques. Este é um livro que nos fala de um Portugal esquecido, onde a autora, guiada pela obra de Maria Lamas, “Mulheres do meu país”, vai ao encontro de memórias das mulheres portuguesas do passado, tantas vezes esquecidas nas aldeias mais remotas. Que as suas histórias possam ser contadas.