“Não aceitamos um Orçamento que falha à emergência social”

Catarina Martins apresentou a decisão da Mesa Nacional de votar contra o OE’2021. Leia aqui na íntegra as declarações da coordenadora bloquista, o balanço das negociações e a resolução aprovada por unanimidade.

Declarações de Catarina Martins na conferência de imprensa que se seguiu à Mesa Nacional do Bloco de Esquerda este domingo:


“Estamos a viver a maior crise das nossas vidas e ela vai agravar-se nos próximos meses.

Por isso, demos ao governo todo o apoio de que precisou para medidas de emergência e no Orçamento Suplementar. O voto do Bloco de Esquerda possibilitou ao governo a compra de equipamentos hospitalares e a contratação de pessoal, apoiar o emprego, a segurança, as escolas, cuidar das pessoas mais atingidas e suportar a economia. Não faltámos nem faltaremos a Portugal.

É por isso que exigimos, no Orçamento para 2021, o bom senso de medidas que defendam o nosso país da pandemia e do desemprego. Não aceitamos nem aceitaremos que o Orçamento e as respostas para o próximo ano falhem a Portugal.

A primeira dessas respostas é não deixarmos quebrar o Serviço Nacional de Saúde.

Já em dezembro do ano passado fizemos um acordo com o governo para reforçar o SNS em 2020 com mais 4200 profissionais, para aumentar os meios de diagnóstico e para desenvolver um programa de saúde mental.

Não prevíamos então a chegada da Covid mas conhecíamos bem as dificuldades do serviço que protege a nossa casa comum.

Esse acordo não foi cumprido pelo governo e só agora, no fim do ano e depois de muita pressão, foram tomadas algumas medidas mas as insuficiências estão à vista.

No momento em que o reforço do SNS era mais necessário, o governo falhou.

Mas é aqui que está a chave da nossa vida: precisamos de mais profissionais, mais qualificados, de melhores serviços e mais recursos.

Se o SNS não for reconstruído na base, com mais médicos, enfermeiros e técnicos dedicados à saúde pública e ao cuidado pelas pessoas, como propuseram António Arnaut e João Semedo na sua lei de bases, estaremos a condená-lo à sua rápida degradação.

Já não há tempo a perder. Ou é em 2021 que salvamos o SNS, quando temos margem financeira para começar a sua grande reforma, ou aceitamos a doença que o vai consumir.

Toda a gente sabe que é assim. O SNS tinha em setembro menos médicos do que em janeiro deste ano. Muitos irão aposentar-se no próximo ano e outros podem vir a sair. Os serviços dos hospitais, que vivem da imensa e heróica devoção dos seus profissionais, estão a rebentar e ainda não chegámos aos piores momentos da pandemia.

Não é gastando 500 milhões com os laboratórios e com a saúde privada que se aliviam as dificuldades dos hospitais e centros de saúde em que o nosso povo confia. Este não é só um problema de dinheiro. É uma questão de responsabilidade.

É agora que temos que trazer os melhores para o SNS. Essa mudança não pode ser adiada. Se não houver carreiras com exclusividade e o número necessário de profissionais, o SNS não será capaz de nos proteger. E temos que ter a certeza de que continua a ser a melhor defesa da nossa democracia, como tem sempre sido.

Desde há um ano que discutimos esta emergência com o governo e o Covid tornou-a, infelizmente, muito mais premente. Mas não foi possível acordo sobre um plano sólido para a salvaguarda do SNS.

Este OE falha na questão mais importante do nosso tempo. Não dá a Portugal a garantia de que teremos os técnicos e as condições suficientes para que os hospitais nos protejam. Quando tudo  se pede ao SNS, este Orçamento não tem o bom senso de o proteger.

Por isso, a Mesa Nacional do Bloco de Esquerda decidiu por unanimidade votar contra a proposta do OE, tal como está formulada.

Também vos quero dizer que consideramos que, ao longo das negociações, houve desenvolvimentos. Não faremos nenhum jogo de culpas. Ouvimos e registámos as propostas do governo. Em alguns casos, o esforço de diálogo permitiu dar passos de aproximação e construir proposta com números e dados concretos.

Lamentamos que não tenha sido possível criar uma nova prestação social contra o empobrecimento que garanta que as vítimas da crise não fiquem abaixo do limiar da pobreza. Compreendemos alguns condicionamentos invocados pelo governo, que preferiu estender os apoios extraordinários, mas não podemos acompanhar revisões em baixa de abrangência ou valor.

Quantas pessoas, que tudo ou quase tudo perderam, vão ficar sem o apoio social de que precisam?

Veremos com atenção como são votadas as propostas no parlamento, no debate da especialidade. Mas somos claros: não aceitamos um Orçamento que falha à emergência social em que vivemos.

Tentámos chegar a um acordo quanto ao fim das regras laborais que a troika nos impôs. Elas foram concebidas para facilitar os despedimentos, reduzir os salários e aumentar a precariedade.

Apesar de não serem medidas de aumento de despesa, o governo recusa-as. O governo rejeita até as posições que o PS defendeu, no tempo da troika, sobre compensação por despedimento.

Mesmo quando o governo aceitou uma mudança provisória, como suspender a caducidade unilateral dos contratos coletivos, que tem servido às grandes associações patronais para anular regras negociadas e que defendiam os trabalhadores, recusa uma alteração definitiva da lei e promete restabelecer essa punição aos trabalhadores já daqui a dois anos.

Também insiste em manter um período experimental injustamente longo e recusa a proteção dos precários nas empresas que são apoiadas pelo Estado.

O Bloco não pode aceitar o abandono de quem vive do seu trabalho, das gerações mais jovens e mais precárias.

E, finalmente, tentámos um acordo para evitar o abuso contratual que a Lone Star tem imposto no Novo Banco. O governo tem preferido que o Estado pague mesmo sem ter a verificação das contas por uma auditoria credível.

Lembro por isso ao primeiro-ministro que, quando o contrato foi assinado, disse ao país que a operação “não terá impacto direto ou indireto nas contas públicas, nem novos encargos para os contribuintes”. Já vai em três mil milhões de euros e, se mais ninguém disser o que todos sabemos, o Bloco de Esquerda repete o óbvio: este é o escândalo financeiro do nosso século.

Se formos os únicos a defender os contribuintes e os depositantes contra a Lone Star, assim seja. Mas a estabilidade do sistema bancário não pode ser posta em causa por negócios ruinosos e por incursões de aventureiros financeiros; é uma questão de bom senso.

Nesta emergência em que Portugal vive, sim, é o bom senso que conta. Por isso, não podemos perder tempo nem deixar que o país se afunde nas dificuldades. Precisamos de um Orçamento competente, de uma governação determinada, de convergência política e de um diálogo aberto capaz de produzir escolhas fortes. Esse é o compromisso que o Bloco de Esquerda reafirma perante todos vós.”

Na reunião deste domingo da Mesa Nacional, foi feito um balanço do processo negocial com o governo e foi adotada uma resolução que pode ser lida aqui.

Anexo Tamanho
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PDF icon resolpol20201025.pdf 135.34 KB
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