Joana Lopes tem 33 anos, é bailarina e professora de dança. Depois de se formar em Vila Nova de Gaia e Lisboa, optou por se mudar para uma aldeia do concelho de Vimioso. Ao Interior do Avesso, explicou essa opção:
Porquê a decisão de deixar a cidade pelo campo?
Decidi vir para Trás-os-Montes porque os meus pais são ambos transmontanos, então sempre passei as férias na região de Mogadouro e Bragança, e sempre houve uma ligação bastante forte a esta região. Já há algum tempo que eu e sentia que todo o meu percurso podia ser importante, de alguma forma, aqui nesta zona, visto que, de momento, não há escolas de dança – uma oferta que aqui está muito reduzida.Acho que apesar das pessoas estarem a viver nesta região, que parece um pouco mais isolada, é importante também criar essa oferta. E a verdade é que já cá estou há um ano e meio. Antes já trabalhava em Mogadouro, há seis anos. Tenho verificado que realmente, além da falta de oferta, há procura – o que é espetacular.
Outra das coisas que me levou a mudar foi o amor. Conheci cá uma pessoa, a dar um workshop em Bragança, e fez-me sentido fazer esta mudança.
Neste momento, estou a colaborar com a Associação Lérias, que é uma associação que opera principalmente em Miranda do Douro mas que tenta também ir estabelecendo algumas atividades noutros concelhos. É uma associação que tem como foco a divulgação ou promoção e reinterpretação da música tradicional portuguesa e que tem como interesse fazer atividades de que tragam ofertas culturais diferentes.
Quais as principais vantagens dessa decisão?
O estilo de vida. Passei a poder produzir os meus próprios alimentos, a ter mais esse contacto direto com a natureza. Ou mesmo as outras coisas que eu compre, vou ter, por norma, diretamente produtores ou sei que as mercearias vendem essencialmente produtos locais.
Também é mais fácil comunicar com as Câmaras e com as Juntas, porque como é um meio mais pequeno. Conseguimos dirigir-nos mais facilmente às pessoas que, de alguma forma, têm poder na mão. Como eu referi, aquilo que eu tenho a oferecer, não era algo que houvesse aqui, então, abriu-se a oportunidade de eu desenvolver aquilo que gosto de fazer e até já fazia antes. Porque há procura, há pessoas interessadas em aprender e em ter esse tipo de experiências.
Por outro lado, quais os principais desafios?
Numa fase inicial, sendo eu uma pessoa por vezes tímida e com as minhas dúvidas, foi um desafio esse contacto com as instituições.
Além disso, o facto de estarmos num meio onde acaba por não haver tanto estímulo como numa cidade… Às vezes há dias em que fico assim mais desapontada, sem rumo porque não há tanto estímulo. Eu estava a viver em Gaia, tinha o Porto ao lado e havia sempre workshops, espetáculos. Agora, para manter algumas dessas coisas tenho de sair daqui – o que não é impossível, mas acaba por ser um desafio. O que me está a acontecer agora é que eu estou muito na posição de formadora. Mas eu acho que uma pessoa tem de ir evoluindo também, também preciso de receber formação e atualizar o conhecimento.
Isso em relação à cultura no Interior, é isso? Não há cultura no Interior?
Há. Há cultura no Interior. É uma cultura diferente. Há períodos, entre maio e setembro, em que tens festas populares todos os dias. A aldeia onde vivo tem um convívio quase todos os meses. Mas é uma forma de cultura a que eu não estava habituada. Mas acho que há cultura, só podia haver mais diversidade. Acho que, aos pouquinhos, vai havendo algo mais diverso. Há companhias que já têm feito trabalhos cá – a Circolando tem apostado muito no trabalho em zonas menos centrais e isso é uma mais valia porque trazem outras formas de fazer.
Voltando aos desafios da mudança para o Interior, algum outro desafio mais no âmbito da tua vida pessoal?
Eu nasci na cidade e estava habituada a caminhar mais e andar de metro por não utilizar tanto o carro. Aqui tenho que usar o carro para todo o lado. Então há os dois lados: por um lado, estás mais ligada à Terra; por outro, é mais difícil deslocares-te. Podes combinar boleias, mas é difícil porque cada um está nas suas dinâmicas – eu trabalho em horários em que a maioria das pessoas está a voltar a casa. Isso era uma coisa que estava a mexer comigo no início, porque vinha com a ideia dos transportes públicos e aqui não há.
Que medidas faltam no Interior em relação a esse aspeto de proteção ambiental?
Eu sinto que falta informação para algumas coisas. Por exemplo, às vezes há pessoas a deitar certos lixos no monte. As pessoas estão habituadas à ideia de que o rio leva e as coisas se transformam naturalmente, mas já sabemos que o lixo que produzimos tem de ser tratado e cuidado antes de reintroduzir na natureza. A falta dessa informação é uma das questões. Outra é sensibilizar para a gestão da água, muito mais numa zona em que temos um acesso reduzido. Este verão, em particular, houve bastante informação sobre os problemas da água, mas nenhuma ação de sensibilização para consumir menos. Acho que tem de haver as duas partes a partir dos municípios: não só oferecer água, mas também responsabilizar as pessoas pela sua utilização.
Voltando ao tema que nos trouxe aqui, que medidas consideras que deviam ser implementadas para apoiar as pessoas a regressar ou mudar-se para o Interior?
Há uma medida de apoio e eu não usufrui dela. Eu li e achei que não era para mim. Podia ter contactado alguém, por exemplo do centro de emprego, e ia perceber que dava para pedir apoio. Era uma medida para apoiar quem se move para os territórios do Interior. Tendo em conta que tem havido um movimento bastante grande de pessoas que se estão a mudar para o Interior (digo grande… se calhar não é em números, mas é significativo, para mim, ter duas ou três pessoas novas por vila ou aldeia), podia haver um gabinete de receção e até para explicar esses apoios – porque às vezes existem os apoios, mas não sabemos onde procurar. O gabinete não teria de existir por cada município, podia estar centralizado até em Bragança e iria garantir a divulgação. Acho que não está muito divulgado. Se as pessoas soubessem das possibilidades, até viriam mais para o Interior.
Porque é que achas que esse movimento de regresso às aldeias está a acontecer?
Por causa do trabalho online que facilitou muito a escolha das pessoas sobre onde querem viver. Com o mesmo salário, numa cidade vão gastar muito mais dinheiro. No Interior, havendo um bom acesso à Internet ou até nos espaços de coworking que, neste momento, já têm boa acessibilidade e estão equipados, é possível que as pessoas que fazem determinados serviços se mudem. Nem é preciso comprar computador ou pagar serviço de Internet porque no Interior já há essa oferta, o que acaba por atrair pessoas que até ficam com dinheiro para investir noutras coisas.
É uma decisão que te dá outra liberdade, uma liberdade que não há nas grandes cidades que estão saturadas e de difícil acesso.
Para terminar, que conselho darias a uma pessoa que está a pensar mudar-se para o Interior?
A primeira coisa ao mudar para um sítio diferente é garantir a nossa própria sustentabilidade. Por norma, isso significa ter um trabalho. Uma das coisas a fazer seria uma pesquisa de associações e empresas que possam eventualmente empregar, de acordo com o que a pessoa quer fazer. Também fazer uma listagem daquilo que a pessoa pode oferecer e pensar no que se quer mesmo fazer. Acho que é por aí. Depois começa-se a criar contactos. Outra coisa é ver se realmente é o momento certo. Às vezes as pessoas têm essa vontade, mas ainda há outras coisas para fazer e onde ir antes de nos estabelecerem. Até aconselho, por vezes, uma transição gradual.
No meu caso foi assim, bastante gradual. Desde 2018 trabalhava em Mogadouro uma vez por semana. Tinha, portanto, um vínculo laboral que me dava alguma estabilidade e foi mais fácil.