Ricardo Vicente tem 35 anos, com pósgraduação em alterações climáticas e políticas de desenvolvimento sustentável, mestrado e licenciatura em engenharia agronómica. É deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia da República, eleito no passado 6 de Outubro de 2019 pelo círculo eleitoral de Leiria.Apresentamos a primeira parte da entrevista que o Ricardo Vicente proporcionou ao Interior do Avesso, onde nos vai falar da taxa da celulose, entre outros assuntos.
Aproveitamos para informar que hoje, às 19h, na TSF vão debater o assunto da taxa da celulose o Ascenso Simões e o próprio Ricardo Vicente, no programa “Olhe que não”.
O que é esta “taxa da celulose” que tem provocado tantas reações?
Chama-se “Contribuição Especial para a Conservação dos Recursos Florestais”. Estabelece que o Governo deve aplicar uma taxa sobre as atividades económicas que utilizem, incorporem ou transformem de forma intensiva recursos florestais. É o que diz a proposta escrita, e cabe ao Governo definir quais é que são essas atividades e definir que taxa deve aplicar a cada uma delas, podendo fazer diferenciações. Portanto, aquela ideia que o deputado Ascenso Simões diz “que esta taxa até vai afetar quem faz canivetes com cabo de madeira” não faz nenhum sentido e é claro que a principal visada por esta taxa é a indústria da celulose. E é a principal visada porque como a taxa incide sobre o IRS ou o IRC, a indústria da celulose é a principal indústria que será afetada.
E porquê taxar as indústrias da celulose?
Quando tens um conjunto de atividades que pelo seu desenvolvimento fomentam a monocultura florestal intensiva de eucalipto e pinheiro, é uma questão de justiça.
No caso das celuloses não estamos a falar de pinheiros com 80 anos. Estamos a falar de pinheiros com três décadas, que, portanto, são árvores de florestas de crescimento rápido, que atualmente representam 50% da área florestal em Portugal. O eucalipto representa 26%, e o pinheiro bravo cerca de 21 a 22%. E o que sabemos é que para responder aos novos cenários de alterações climáticas que já vivemos hoje, mas que se vão agravar no futuro, precisamos de mudar toda a estrutura florestal atual. Portanto faz todo o sentido que as entidades que durante as últimas décadas andaram a promover uma transformação desregulada e danosa para a sociedade, e com isso a modificar a floresta, sejam hoje chamadas à responsabilidade, para dar um contributo financeiro para repor a floresta, transformar a floresta novamente. Reduzindo a área destas monoculturas e incentivando a plantação de plantas autóctones, folhosas, que sejam mais resilientes ao fogo e que contribuam para que o território, como um todo, seja mais resiliente às alterações climáticas. Porque incorporam mais biodiversidade, porque têm um papel mais relevante na regulação do ciclo da água, têm maior proteção contra incêndios e garantem mais e melhores serviços de ecossistema às populações locais. A tributação que é recolhida da aplicação desta taxa está prevista ser aplicada na diversificação da floresta. Portanto isto na verdade é uma ferramenta de política económica que é muito banal por todo o mundo. Que pretende desincentivar uma atividade que é danosa para a sociedade e incentivar uma transformação, e um conjunto de práticas que a sociedade valoriza. Portanto não se trata de nenhuma medida super radical.
Esta proposta surge agora do Bloco, mas já estava inscrita no OE2019, apesar de não ter saído do papel?
O autor desta proposta foi o anterior Governo. O anterior Orçamento de Estado, por proposta do Governo, não foi nenhum aditamento de qualquer partido, foi por proposta do Governo, incluiu esta medida no orçamento. E houve uma resolução do conselho de ministros em janeiro de 2019, que avançou com a proposta, mas ela depois nunca foi executada. Portanto, não só nasceu no interior do Partido Socialista, como o próprio Conselho de Ministros emitiu uma resolução sobre a mesma. Depois, segundo o Ministro do Ambiente houve um lapso de memória que fez com que ela nunca viesse a ser aplicada. O Ministro do Ambiente confrontado pelo Bloco, relembrado que ela ficou de fora deste orçamento, manifestou total disponibilidade para acolher a proposta e incentivou o Bloco a colocar a proposta. Nós já a colocámos, agora esperamos que o Partido Socialista vote favoravelmente a proposta que o seu próprio governo elaborou.
Mas um dos grandes opositores à proposta feita agora pelo Bloco de Esquerda é o deputado Ascenso Simões, eleito do PS pelo círculo eleitoral de Vila Real?
O próprio Ascenso Simões votou favoravelmente a proposta do Governo. Eu não sei se ele esteve ausente durante os últimos dois anos da política nacional, mas tendo esta proposta sido trabalhada há quase dois anos atrás, nunca houve uma manifestação pública por parte do Ascenso Simões contra a proposta que ele próprio votou favoravelmente na generalidade do orçamento. Por isso é muito estranho que ele agora surja atribuindo a elaboração desta proposta à responsabilidade do Bloco de Esquerda e acusando o Bloco de Esquerda de “malabarices”, são palavras dele. Ele diz que os joelhos de quem escreveu a proposta do Bloco de Esquerda estavam já cansados e a mente perturbada quando escreveu esta proposta. Não sei se ele se estava a referir ao Conselho de Ministros quando elaborou uma resolução sobre este assunto, mas realmente a proposta original não foi escrita pelo Bloco. Nós apenas somos concordantes com ela, e por isso, somos agora proponentes.
Será então uma proposta bem acolhida pelo Governo?
O Ministro do Ambiente diz que a proposta só não consta por esquecimento e incita-nos a colocá-la. Nós vamos fazê-lo, sabemos que o Governo é do Partido Socialista, contudo não têm necessariamente de ser coincidente as propostas do Governo com o Partido Socialista, vamos ver quais serão as posições de voto do PS, mas tudo indica que o Partido Socialista esteja disponível para aprovar esta proposta, e o Ascenso Simões talvez vá contrariar a posição de voto maioritária do Partido Socialista. Não sei… Ele diz que alertou o Governo várias vezes, acusa a proposta de ser anticonstitucional, diz que ela só não foi aplicada porque não faz sentido, mas a verdade é que o Ministro do Ambiente alegou o seu esquecimento e portanto contraria a argumentação do Ascenso Simões.