O terceiro relatório do Observatório Português das Atividades Culturais sustenta uma inadequação do sistema de Segurança Social para o setor, confirmada por um padrão de descontinuidade na carreira contributiva dos trabalhadores da cultura. Por Esquerda.net
O relatório foi encomendado pelo Governo ao Observatório Português das Atividades Culturais, do Instituto Superior de Ciências do Trabalho, em 2020, com o objetivo de mapear as atividades e os trabalhadores do setor.
Segundo o relatório, os sistemas da Segurança Social e das Finanças “não se adequam à realidade laboral dos profissionais independentes das artes e da cultura, caracterizada por períodos de interrupção de atividade remunerada que determinam descontinuidades” nas carreiras contributivas, tipicamente “curtas, muito curtas ou tendencialmente abaixo do tempo de atividade” do trabalhador.
A opção do Observatório, liderado por José Neves, em caracterizar os trabalhadores do setor obrigatoriamente como trabalhadores independentes foi duramente criticada pelas associações do setor à data do seu anúncio, ainda em 2020, pelo facto de legitimar uma precariedade que, sendo esmagadora no setor, não deixa de ser fruto de opções políticas que desregularam o setor durante décadas, mascarando a realidade de a maior parte do trabalho no setor ser por natureza dependente.
Segundo o relatório, “aproximadamente um em cada três profissionais (37%) interrompeu alguma vez a sua atividade profissional no sector (…). Para uma larga maioria (66%), a interrupção deveu-se à falta de trabalho remunerado no sector. A procura de uma situação profissional mais satisfatória foi o segundo motivo invocado (24%)”, lê-se no relatório.
A crise pandémica e os apoios sociais criados pelo Governo deixaram a nu as contradições de todo o sistema, nomeadamente os problemas encontrados pela disparidade entre as atividades dos trabalhadores do setor e os Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) bem como a Classificação de Actividades Económicas com que estes profissionais estão registados nas Finanças.
Para além dos códigos das atividades diretamente do setor – 2010 (Artistas de teatro, bailado, cinema, rádio e televisão), correspondente a 26% dos inquiridos; 2013 (Músicos), indicado por 15% dos inquiridos; e 2015 (Outros artistas), com 9% dos inquiridos -, o relatório confirmou ainda um elevado peso na amostra do código 1519 (Outros prestadores de serviços), que foi motivo de exclusão de vários trabalhadores do apoio extraordinário para a cultura.
“O peso deste código é ainda mais reforçado quando se têm em conta os CIRS secundários”, sublinha o OPAC, explicando que, no total, representam 31% da amostra, um valor “ilustrativo das dificuldades de enquadramento” destes profissionais.
Particularmente relevante é também “a percentagem de inquiridos que não sabe/não responde” a esta pergunta: 16% desconhecem o CIRS principal com que se registaram nas Finanças e 24% o secundário. Dados que “parecem apontar para alguma falta de conhecimento (ou de informação) sobre a importância da escolha destes códigos e suas correspondentes implicações, incluindo no que diz respeito ao cálculo dos diferentes coeficientes do IRS”, sustentam os autores do estudo.
Relativamente aos códigos CAE, registam-se novamente um alto nível de trabalhadores – 7% – “que não estão inscritos em qualquer dos códigos CAE associados a atividades culturais e criativas, mas sim noutros”, nomeadamente “atividades muito diversificadas, sendo de destacar as ligadas à distribuição e comercialização de produtos, organização de eventos, consultadoria, alojamento e restauração”.
Ainda nos CAE, os mais representados na amostra são o 90030 (Criação artística e literária), assinalado por 14% dos profissionais inquiridos como CAE principal e por 5% como CAE secundário; 90010 (Actividades das artes do espectáculo), correspondente a 14% e 3% da amostra, respectivamente; 90020 (Actividades de apoio às artes do espectáculo), relativo a 6% e 2% da amostra; e 59110 (Produção de filmes, de vídeos e de programas de televisão), assinalado por 6% e 1% dos inquiridos.
Publicado por Esquerda.net a 8 de maio de 2021