O que eu sei é que a biografia pública de Marisa Matias exprime um compromisso de vida com o país. Representa o Portugal pela inclusão, pela liberdade e pela igualdade de oportunidades que tem de prevalecer sobre o país de exclusão que Marisa conheceu: o país abandonado onde apenas a emigração era horizonte de prosperidade para as famílias. E que hoje subsiste e se agrava, nas cidades da precariedade e no interior de despovoamento.
Por princípio, não gosto de chamar pelo nome próprio uma mulher que se candidata a um cargo público. Porque sei da mensagem de desigualdade que passa no espaço público ao tratar-se mulheres pelos nomes próprios e homens pelos apelidos.
Mas também sei que Marisa pratica uma maneira de estar na política e na vida pública que é inclusiva ao ponto de convocar as pessoas pelos seus nomes próprios, para assim as fazer prevalecer sobre qualquer estatuto. A primeira política para um país que se queira de inclusão é começar por fazer da inclusão uma maneira de estar na política. E é exactamente o que faz Marisa, que se apresenta pelo nome próprio, com a força de ressignificar as palavras e os gestos. É empatia e encontro com os nossos concidadãos, não para abraços e selfies – não precisamos que a um rei suceda uma rainha – mas para ouvir as pessoas e com isso assumir um compromisso de acção. Por isso, digo Marisa e voto Marisa. Porque a política de nome próprio não é a cultura política do combate, em guerra de palavras, a entrincheirar-se nas diferenças e nas distâncias a ponto de deixar de encarar os outros e neles só ver a contagem dos que estão comigo e dos que estão contra mim. A virilidade da política é por si um estereótipo político e que em tudo convém ao conformismo.
Pelo contrário, a política de nome próprio é a de proximidade que não se conforma com a desigualdade de um país que, apesar de geograficamente magro, tem tanto interior que é quase como se fosse mais largo do que comprido. E quem diz o Interior territorial, diz também a desigualdade das grandes cidades do litoral deste país, que não param de cavar distâncias para com as pessoas que lá trabalham, simplesmente obrigando-as a viver cada vez mais longe de onde trabalham, deixando a fruição da cidade a quem a pode pagar.
As desigualdades sustentam-se dessa maneira, mantendo à distância aqueles que não convém encarar, fixando-os em imobilidade social, nas rotinas diárias de transportes públicos, nos salários de sobrevivência, ou naquela chaga social permitida por lei laboral a que chamamos precariedade. E pode ser tudo isto junto. Marisa Matias representa-me na recusa de assistencialismos que são já de si privilégio de uns e na recusa de quaisquer formas de debilitação do Estado Social, de todos para todos, fora da esfera dos interesses do mercado. É a voz que me dá garantias na defesa do SNS, da Escola Pública, da Segurança Social, os pilares sociais do regime.
E agora, como nunca, faz falta em Portugal a política de nome próprio da Marisa. Quando há quem queira tornar lícito qualquer um mandar qualquer outro para a sua terra, isso é o mesmo que dizer que aqui uns não teriam direito pleno a nome. Mandar para a terra donde se veio, mandar etnias ou outros grupos ficar em guetos, expulsar do espaço da plena cidadania minorias, tudo isso são maneiras de dizer que alguns não têm direito genuíno ao nome que têm. Anda por aí um totalitarismo emergente que quer tirar o direito das pessoas a serem o seu nome próprio, para as reduzir à etnia, à cor, ao género, à orientação sexual, aos lábios que se pintam ou não, o comportamento de cada um, as liberdades, até as mais fundamentais, da ordem dos direitos humanos. Mas não basta dizer que o nosso caminho é outro. Cumpre-nos dizer não. Por isso, voto em Marisa para que o seu nome próprio possa representar o de todos os portugueses, especialmente o dos que receiam poder ter nome próprio nestes tempos.
A Marisa Matias tem a idade da Constituição. Nós que nascemos à volta de Abril somos uma geração que cresceu em liberdade e com o abraço dos valores constitucionais. Cabe-nos demonstrar às gerações futuras que valeu e continua a valer a pena. Mas fazê-lo é ligar gerações, como Marisa faz todos os dias, ligando desigualdade, precariedade, crise climática, justiça intergeracional, reconhecimento da alteridade numa visão de mundo inclusiva. Voto Marisa, pela presidência que o país merece.
André Barata, filósofo de formação, é professor na Universidade da Beira Interior, onde tem desenvolvido ciclos de estudos na área da ciência política. Tem por áreas de interesse, além da filosofia social e política, o pensamento fenomenológico e existencial e, ainda, a problemática da identidade portuguesa. Tem publicados vários livros de ensaio, como "Metáforas da Consciência" (2000) e "Primeiras Vontades" (2012). Organizou os livros "Representações da Portugalidade" (2011) e "Estado social: De Todos para Todos" (2014). Foi diretor da revista de filosofia "Análise" (2005/2006). Num registo mais literário publicou, com Rita Taborda Duarte, "Experiências Descritivas" (2007).