Acreditar que tudo poderia, ou deveria, voltar ao mesmo de antes, seria tapar o sol com uma peneira rota e imaginária, ou apenas não ter consciência daquilo que nos afecta. É claro que não poderíamos ficar eternamente fechados em casa, até porque foi sempre necessário sair, e.g., para adquirir bens essenciais; e houve sempre quem não pudesse ficar fechado em casa, porque era responsável por produzir e nos fornecer esses mesmos bens essenciais. Falando apenas, restritamente, neste exemplo, é claro.
Portanto, a questão nunca foi isolar(mo)-nos, inteiramente, para erradicar a ameaça, mas sim, através de um isolamento controlado, temporizado e consciente, evitar o colapso social e, em particular, dum sistema, já em si, enfraquecido por anos de má gestão e falta de noção. Refiro-me, obviamente, ao desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde (SNS), a cujos profissionais e do qual esforço muito temos a agradecer e honrar, com o reforço e capacitação de salários e serviços há muito reivindicados. SNS que ainda que dos melhores à escala global, é por todos conhecido o estado de abandono, encerramento de serviços ou perda de valências e centralização em hospitais regionais desfasados das realidades geográficas e afastados da população que deveriam servir, tanto pela qualidade, ou mesmo inexistência, de acessos, como pela ausência, e supressão, de transportes públicos e alternativas ao serviço e dignidade dos seus utentes.
Similarmente à pneumonia, que há quase vinte anos nos apresentava os primeiros alertas para a necessidade de que nos precavêssemos para surtos respiratórios desconhecidos, também a normalidade é agora atípica. Nunca poderíamos, nem deveremos sequer, voltar ao normal de antes, temos de ser e estar conscientes de que há um novo normal e actual, que a curto prazo, e sempre que possível, passa pela prática do distanciamento físico, de uma mais rigorosa higiene e higienização dos espaços e superfícies, de andarmos de máscara para prevenção e protecção, quer nossa e dos nossos como dos outros e dos seus; e que a longo prazo se deverá ver reflectido no enraizamento destas práticas na nossa cultura e hábitos diários e, mais importante, no tão necessário e urgente reforço do SNS quer, para que nunca se veja numa situação trágica como a que assolou médicos italianos e espanhóis, de escolha entre quais os pacientes que valeria a pena tratar, quer a de descurar o tratamento e diagnóstico de outras enfermidades, pelo seu carácter não infeccioso e de somenos urgência.
Há práticas e lições que devem ser, igualmente, retiradas por todos enquanto população, tal como há práticas e lições que devem ser aprendidas, mais profundamente, pelos nossos governantes, se forem e souberem ser responsáveis. A defesa do capital e o enriquecimento de um punhado de empresas e amigos, ou a rendição a (des)interesses (de alguns) europeus, com despeito pela vida dos demais e o equilíbrio das condições e direitos das comunidades não pode continuar, tal como a Europa não pode fechar os olhos à realidade e continuar ensimesmada numa birra dos interesses de poucos contra o bem e o progresso comunitário.
Porque se, desta primeira vaga, tudo o que aprendemos é que agora devemos ir, despreocupadamente, para a praia enfardar bolas com creme, arranjar esquemas para nadar com os pescadores e emborcar minis nas esplanadas, sem pensar no futuro, nem no passado (tão recente). Então talvez devêssemos todos voltar à (tele)escola do civismo para aprender a medir as distâncias do humanismo.
Nasceu em Macedo de Cavaleiros, Coração do Nordeste Transmontano, em 1983, onde orgulhosamente reside. Licenciado em Línguas, Literaturas e Culturas, publicou poemas e artigos na extinta fanzine “NU” e em blogues, antes de editar em 2015 o livro-objecto “Poesia Com Pota”. Português de Mal e acérrimo defensor da regionalização foi deputado municipal entre 2009-2013.
Este autor escreve segundo o antigo acordo ortográfico.