“a eliminação das portagens e reposição das SCUT não é uma questão de teimosia, é uma questão de justiça para com o Interior”

Mobilidade no Interior – entrevista com Luís Garra, ativista da Plataforma P’la Reposição das SCUT na A23 e A25
Imagem do Diário de Viseu

Luís Garra nasceu em Manteigas e, desde a sua infância, reside na cidade da Covilhã. Dedicou a sua vida à atividade política e sindical, nomeadamente como Presidente do Sindicato Têxtil da Beira Baixa e como Coordenador da União de Sindicatos de Castelo Branco. Aos 67 anos, apesar de já não ser Coordenador, continua a representar a União de Sindicatos na Plataforma P’la Reposição das SCUT na A23 e A25.

Foi entrevistado pelo Interior do Avesso sobre o tema da mobilidade no Interior, nomeadamente em relação à necessidade da reposição das SCUT. Um testemunho que revela que luta contra as portagens no Interior continua viva, passado mais de 10 anos do seu início: 

Como surgiu a Plataforma P’la Reposição das SCUT na A23 e A25?

Surgiu em 2017. Nós tínhamos no território uma intervenção muito própria em que cada organização fazia a luta por si, desde que as portagens foram instituídas na A23 e na A25. Havia intervenção da União de Sindicatos de Castelo Branco, das comissões de utentes A23 e da A25 e também das associações empresariais, mas era feita de forma isolada. A opção que tomámos em 2017 foi de procurar criar uma forma de cooperação e até de convergência das ações.

Quero salientar que, logo em 2011, existiu a Comissão de Utentes das Autoestradas da Beira Interior. E, ainda no seguimento das ações que cada um ia fazendo à sua maneira, foi possível, em 2015, uma redução de 15% no preço das portagens. Depois, no ano seguinte, já não houve nada. Foi aí que a União de Sindicatos, na comemoração do 1º de Maio, anunciou que iria convidar as associações empresariais e as comissões de utentes a juntarem-se numa plataforma – ainda que o nome não era exatamente esse porque, no início, não havia nome. 

Nas discussões que tivemos entre nós estabeleceu-se o nome. Plataforma para quê? Para dar mais corpo, mais força e mais diversidade àquilo que era a intervenção que até ali estava a ser feita – que era importante e necessária, mas cujos resultados eram escasso. Das primeiras ideias para o nome, estava a proposta “Plataforma pela Abolição das Portagens”. Mas, depois, dissemos que não: não queremos abolir as portagens porque podia ser entendido que era por todo o país. Queremos a reposição das SCUT, isto é, que se voltasse à função originária, no sentido de não haver custos para o utilizador para combater as assimetrias territoriais. Claro que a adoção do nome atual também pressupõe a eliminação das portagens na A23 e na A25 – mais tarde, passamos a falar também, solidariamente, da A24. 

 

Que tipo de ações têm feito?

Quando decidimos criar esta plataforma, fomos acertando o campo de intervenção. As coisas foram-se afinando, como é natural. Definimos que íamos aliar uma intervenção institucional de diálogo com o Governo, com a Assembleia da República, com os partidos políticos ali representados, com uma intervenção junto das pessoas – junto dos utentes das ex-SCUTS. Neste sentido, realizávamos ações de rua, nomeadamente manifestações, marchas lentas, fóruns, tribunas públicas… enfim, uma grande diversidade de ações. E serviam para quê? Para dar pulso, dar músculo, à intervenção que a Plataforma tinha depois que desenvolver no plano institucional. Nós não descuramos a importância decisiva do diálogo com o Governo, com os partidos políticos e com a Assembleia da República, mas não abdicamos da intervenção que pretende mobilizar as pessoas para esta causa que nós consideramos que é justa. Para nós, a eliminação das portagens e reposição das SCUT não é uma questão de teimosia, é uma questão de justiça para com o interior. Foi este o motivo que nos levou, de uma forma persistente (porque de 2017 para cá já são uns anitos) a manter a coesão na Plataforma. Apesar de sermos uma Plataforma com estruturas diversas, do ponto de vista da representação social e das opções ideológicas e partidárias de cada membro, estamos unidos. O objetivo principal é a reposição das SCUTS.

Sabemos que essa reposição não pode estar desligada de um outro objetivo mais importante ainda que é o desenvolvimento económico, social, cultural e ambiental do Interior a um nível amplo – há quem confunda desenvolvimento com crescimento, mas não são exatamente a mesma coisa; aliás, até podem ser antagónicas. Mas, portanto, temos perfeita noção que a eliminação das portagens e reposição das SCUT é um elemento importante, mas não o único para potenciar o desenvolvimento do Interior e a coesão territorial do país. 

 

Que outras medidas queria ver implementadas no Interior?

Na nossa intervenção já incorporamos outras dimensões. Neste momento, falamos também muito da mobilidade e da sustentabilidade. Repare, somos uma das regiões (aqui nas Beiras e Serra da Estrela) onde o programa de apoio à redução tarifária não é aplicada. Isto significa o quê? Que o dinheiro que é entregue a Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela para financiar os passes sociais dos utentes de transportes públicos está a ser desviado para as empresas transportadoras. Aquilo a que nós chamamos na gíria “tirar aos pobres para dar aos ricos”.

Também temos incorporado outra questão da sustentabilidade ambiental, abordando a necessidade de um plano de mobilidade. Onde é que estão as ligações rodoviárias e ferroviárias? Onde é que estão as ligações intermodais? Onde é que estão os passes sociais que abrangem as várias modalidades de transporte? No Interior precisamos de uma aposta, de facto, na mobilidade, na dinamização do transporte rodoviário e ferroviário, transporte coletivo. Mas isso não pode servir de contraponto ou alternativa à reposição das SCUT. Não nos podem dizer para continuarmos a pagar enquanto trabalham no plano de mobilidade. Através da Plataforma já conseguimos uma redução de 30%, mas deviam ter sido 50%. Agora dizem-nos para esperar pelo plano de mobilidade, mas, geralmente, nestas situações é para esperarmos sentados…

Outra dimensão da sustentabilidade ambiental tem a ver com uma questão que foi levantada quando foi anunciada essa redução de 30% no preço das portagens. Vieram dizer que a eliminação das portagens e reposição das SCUT tinha impactos ambientais gravíssimos no aumento da poluição. Mas esquecem-se daquilo que se passa nos grandes centros urbanos! Nós conseguimos demonstrar, aliás, está demonstrado cientificamente que a eliminação das portagens tem um efeito benéfico na poluição. Porquê? Porque o que acontece, e falamos disso no nosso último encontro na Covilhã, é que, para não pagarem portagens, os camiões e automóveis vão para as estradas nacionais e a poluição passa a acontecer junto das pessoas. Enquanto que a deslocação dos carros para as chamadas autoestradas ou, neste caso, SCUT, o que vai acontecer é que a poluição é feita mais longe. Além disso, como os automóveis não andam em marcha tão lenta, não gastam tanto combustível.

Mas há uma questão que é estrutural para o desenvolvimento do interior que é consensual na Plataforma – a regionalização. Mas não a regionalização que nos querem impingir, que é a da criação da grande região Centro; é a regionalização que procede à criação da região da Beira Interior. Para termos responsáveis eleitos diretamente pelo povo, para termos dotações orçamentais próprias, para termos capacidade de decisão. Uma medida estrutural. 

 

Voltando um pouco atrás, quando e onde é que surgiu a ideia de acabar com as SCUT? Quem é que foi o principal responsável e que tipo de consequências é que as portagens passaram ter na vida das pessoas?

Essa é uma discussão à qual temos fugido um bocadinho, porque, mais do que discutir o passado, temos de chamar à atenção para a necessidade de pôr fim a uma medida altamente penalizadora para o Interior. Tem havido um jogo de empurrar quem é responsável pelas portagens, mas, e o que vou dizer é factual, foram criadas pelo PS e pelo PSD. Isto são factos históricos – eles foram os mentores da medida que penalizou o Interior, a atividade económica de quem aqui vive e trabalha. A partir daí, o processo de luta contra as portagens gerou, e isto também é factual, apoio do PCP que imediatamente apresentou propostas na Assembleia da república e do Bloco de Esquerda que se juntou ao processo. Claro que seria injusto limitar todo o trabalho que tem sido feito a estes dois partidos, porque é uma luta que ultrapassa barreiras partidárias – a população das mais diversas proveniências tem participado. Temos nas nossas ações militantes de diversos partidos e que, sendo cidadãos do interior, consideram que a reposição das SCUT é uma medida de justiça. A visão agregadora e unitária que conseguimos é fundamental para os objetivos.

Agora, já em campanha eleitoral, o PS veio dizer que vai abolir as portagens no Interior e o que nós dizemos é que, embora tardiamente, “bem-vindo ao clube”. Antes, já o PCP e o Bloco de Esquerda apresentavam propostas e o PS sistematicamente chumbava. Mas vamos esperar e ver o resultado das eleições de 10 de março. Esperamos que, qualquer que seja a composição do Governo, aprove a eliminação das portagens. E é fácil fazer contas: o PCP e o Bloco de Esquerda desde sempre que dizem para acabar, então que se juntem agora ao PS para aprovar legislação que garanta esse fim. O PSD não é propriamente um adepto, pelo menos não o diz. É preciso um trabalho de pedagogia a ver se se convencem que os impactos financeiros não são o que eles pensam. Pelo contrário, até pode haver impactos positivos – das três vezes que houve redução no preço das portagens, não houve impacto nas receitas. Não houve redução na faturação das concessionárias! 

 

Neste processo de luta já longa, têm tido algumas vitórias, nomeadamente na redução dos preços das portagens, correto?

Sim. Não tão depressa como queríamos. E isso aconteceu porquê? Persistência. Aquilo que se chama, e desculpe a expressão, “não largar o osso”. Nós não largamos e conseguimos. E agora continuamos a não largar. Acreditem que é assim. É uma questão de honra: só abandonamos a luta quando for totalmente vitoriosa.

 

Para terminar, que conclusões retiraram do vosso último evento (a conferência na UBI a 6 de fevereiro)?

Foi muito importante. Teve dois momentos: uma parte mais técnica em que procuramos melhorar a nossa fundamentação com dados objetivos do ponto de vista económico, do ponto de vista da mobilidade e do ponto de vista ambiental, para suportar a nossa posição sobre acabar com as portagens; e, depois, uma parte igualmente importante em que intervieram os candidatos dos partidos políticos. Ficaram muito claras as posições dos partidos – o único que discordou ali foi a IL, que continua a defender um argumento absurdo, caduco e falacioso que é o do utilizador-pagador (mas da IL já sabemos com o que contamos). Da parte do PSD, tivemos a cabeça de lista a afirmar que, se fosse caso disso, estará contra as posições do seu partido; e o que nós lhe dissemos é que mais vale ela influenciar a posição do seu partido para também estar do nosso lado. Houve um largo consenso entre o PS, PCP e Bloco de Esquerda.

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