Inês Coelho tem 33 anos, é natural do concelho de Mangualde. Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Mestre em Direito Internacional e Relações Internacionais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Pós-Graduada em Ciências Forenses, Investigação Criminal e Comportamento Desviante pelo Instituto Criap, Porto.
Atualmente exerce funções como Gestora do Gabinete de Apoio à Vítima (GAV) de Mangualde da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV). Ao Interior do Avesso falou sobre violência de género no Interior:
O que nos podes dizer sobre a violência de género no Interior?
Em primeiro lugar, importa explicar o que é a violência de género, porque muitas pessoas que não estão familiarizadas com estas temáticas e problemáticas não compreendem o porquê de ainda hoje existir este conceito de violência de género ou de violência contra as mulheres.
É certo que a violência de género, é toda aquela que é exercida de um género sobre o género oposto, isto é, poder-se-ia dizer que é um tipo de violência que também pode ser exercido contra os homens, no entanto, não é isso que os números e as estatísticas nos mostram.
Posto isto, quando falamos neste conceito, referimo-nos à violência que é exercida contra as mulheres, violência essa que discrimina a nível social e familiar e que pode ser física, psicológica, verbal, financeira, sexual, moral, institucional, entre tantas outras.
De acordo com a Convenção de Istambul, a violência de género pode revestir-se das seguintes formas: violência nas relações de intimidade; casamentos forçados; violência psicológica; perseguição; violência física; violência sexual, incluindo a violação; mutilação genital feminina; aborto forçado e esterilização forçada; assédio sexual; crimes cometidos em pretensa defesa da “honra”; auxílio ou instigação e tentativa da prática das formas de violência acima referidas.
É violência que se baseia no género e por isso é violência perpetrada contra as mulheres pelo simples facto de serem mulheres. É uma violação dos direitos da pessoa humana, em que as mulheres são as mais afetadas, uma vez que continuamos a viver numa sociedade patriarcal, maioritariamente marcada por relações desiguais de poder, muito relacionadas com os tão falados “papeis de género”, estando estes associados a crenças obsoletas sobre quais os contributos de um homem e de uma mulher na sociedade e qual a sua pertença a esta. Infelizmente ainda se cultiva a ideia de que a mulher deve cuidar e o homem deve prover, sobretudo aqui no interior. Não só no interior, pois considero ser um problema transversal a todas as regiões, mas pelas especificidades do nosso território, do envelhecimento populacional, do isolamento social e territorial a que continuamos votados, este é um problema que se exacerba.
Se pensarmos nas mulheres rurais, sobretudo as que residem no interior do país é fácil verificar que falamos de um grupo social extremamente vulnerável, invisibilizado e muitas vezes esquecido. São mulheres que na sua maioria trabalham na agricultura de subsistência, um trabalho muito pouco ou nada valorizado, que vivem com menor acesso a serviços básicos, que apresentam dificuldades na participação comunitária e que são economicamente dependentes. Todos estes fatores geram exclusão social, pobreza e situações de violência…
Que medidas consideras que deviam ser implementadas para prevenção e combate à violência de género?
Se pensarmos por exemplo que a violência de género, onde se inclui a violência doméstica é talvez a principal causa de homicídio doloso em Portugal, percebemos que cada vez mais é pertinente e urgente que esta temática seja debatida e discutida quer pelos órgãos decisores quer pela sociedade civil. As denúncias, o trabalho de tantas associações e organizações, as medidas governamentais, as estratégias nacionais para a igualdade e a não discriminação, as intensas campanhas de prevenção e sensibilização continuam a não ser suficientes para acabar com este flagelo.
Não é uma pergunta para a qual tenha uma resposta objetiva, mas acho que a aposta na formação de profissionais dos mais variados setores (justiça, saúde, educação, etc) seria algo fundamental.
Qual o papel do novo GAV de Mangualde na eliminação da violência de género? Como estão a correr os primeiros momentos de funcionamento?
O GAV de Mangualde foi inaugurado a 22 de fevereiro, Dia Europeu da Vítima de Crime, mas já se encontrava em funcionamento desde o início de janeiro em regime de “soft opening”, o que nos permitiu fazer ajustes e adaptações em tempo real, exponenciando assim a nossa eficiência operacional.
Ainda que em funcionamento de uma forma mais recatada e num espaço de tempo tão curto, o Gabinete de Apoio à Vítima de Mangualde já recebeu vários pedidos de apoio não só de utentes do concelho de Mangualde, mas também dos concelhos limítrofes.
De uma forma muito genérica, dizer-vos que os Gabinetes de Apoio à Vítima (GAV) são gabinetes locais de prestação de serviços de apoio aos cidadãos e cidadãs vítimas de crime e que prestam também apoio aos seus amigos e familiares, pois sabemos que a vitimação impacta não só a vítima, que obviamente é a mais afetada, mas também quem está à sua volta.
Oferecemos apoio prático, emocional, psicológico, jurídico e social gratuito, garantindo sempre a confidencialidade e o respeito pela autonomia da vítima.
Cada Gabinete de Apoio à Vítima promove uma sólida identidade da APAV nas comunidades locais em que se inserem, desenvolvendo relações próximas e consistentes no seio das suas redes, potenciando ao máximo o trabalho colaborativo para uma melhor resposta à vítima de crime em cada comunidade.
O GAV de Mangualde insere-se na rede nacional de Gabinetes de Apoio à Vítima da APAV, que está presente em muitas das principais cidades do país, sendo que à data de hoje contabilizamos 76 serviços de proximidade.
À semelhança dos outros Gabinetes da rede APAV, este é constituído por uma Gestora, responsável administrativa e técnica dos trabalhos do Gabinete e por um grupo de Técnicos de Apoio à Vítima Voluntários e outros Voluntários que asseguram o apoio aos cidadãos e cidadãs e outras atividades, como por exemplo ações de prevenção e sensibilização junto da comunidade.
O papel do GAV de Mangualde no combate à violência de género vai de encontro à missão da APAV que apoia desde 1990 as vítimas de crime, os/as seus/suas amigos/as e familiares, prestando-lhes serviços de qualidade, gratuitos e confidenciais contribuindo para o aperfeiçoamento das políticas públicas, sociais e privadas centradas no estatuto da vítima.