Horários muito acima do permitido, falta de pessoal, trabalhadores exaustos, riscos para a segurança — eis a outra face da paisagem idílica dos cruzeiros no rio Douro, segundo testemunhos ao JN de quem neles trabalha.
O cenário idílico da paisagem vinhateira do rio Douro atrai muitos turistas, mas os navios turísticos que a percorrem são palco de abusos e ilegalidades sobre os seus trabalhadores, sujeitos a horários chegam até 90 horas semanais, exaustão, compartimentos sobrelotados e situações de assédio e condicionamento sobre a sua vida pessoal, noticia o Jornal de Notícias.
Há cerca de 23 navios turísticos a operar no Douro a cargo das empresas Douro Azul, Scenic e Tomaz do Douro. Os seus trabalhadores estão ao serviço durante 9 meses do ano, entre março e novembro, em viagens que duram entre três e 15 dias e podem ir de Gaia até Espanha. Oficialmente têm contratos de 40 horas semanais, ou 8 por dia. Mas na prática, afirmam vários deles ao JN sob anonimato, por temerem represálias, os horários são de 18 horas diárias para quem trabalha a tempo inteiro, e 12 a 13 horas para quem o faz a tempo parcial. Ou seja, 60 a 90 horas por semana, muito acima do máximo legal.
Para além dos horários desregulados e da exaustão que causam, os trabalhadores dos cruzeiros do Douro queixam-se de falta de pessoal, falta de compensações, e pressão e assédio moral quando procuram fazer valer os seus direitos, mesmo quando está em causa a segurança. Vários afirmam acumular funções de maquinista e marinheiro devido à falta de pessoal, e confessam que a carga de trabalho não permite atender a todas as exigências. Os abusos são transversais a todas as empresas em atividade, afirmam.
Ainda segundo testemunhos ouvidos pelo JN, secundados por documentos a que acedeu, nem todos os trabalhadores estão cobertos por seguros: num navio de 34 tripulantes e 100 passageiros, um contrato de seguro cobria apenas 27 tripulantes. As operadoras contrapuseram ao JN que têm ao serviço um número de trabalhadores adequado — 100 na Douro Azul, 15 na Scenic, a Tomaz do Douro não revelou números.
Mais preocupantes são as possíveis consequências destes abusos a nível de segurança. Segundo o testemunho de um trabalhador recolhido pelo JN, em situações em que o caudal do rio está acima do recomendável para iniciar viagem, a Administração do Porto de Leixões “dá o parecer e diz que não é aconselhável”, mas o armador “diz que temos de subir e somos encostados à parede”. “Só quando houver um acidente é que vão abrir os olhos”, lamenta o mesmo trabalhador.
Artigo publicado em Esquerda.Net