Há 43 anos, uma estátua também era motivo de discórdia

Aconteceu em Santa Comba Dão, em fevereiro de 1978: Dois campos opostos saíram à rua para reivindicar as suas posições, a favor e contra, sobre a estátua do ditador Salazar situada naquela cidade. 

Após a queda da ditadura salazarista, no dia 25 de abril de 1974, muitos dos símbolos representativos do Estado Novo foram desaparecendo das ruas e da conotação mediática. Um deles, foi a estátua de Salazar situada junto ao Palácio de Justiça de Santa Comba Dão que gerou uma autêntica batalha campal naquela cidade, entre defensores e opositores da manutenção da estátua. 

Em fevereiro de 1975, a estátua de Salazar acabou por ser alvo de um ataque onde a sua cabeça foi retirada. Esta situação manteve-se ao longo de 3 anos e quem passava pela Estrada Nacional 234 poderia presenciar a estátua de Salazar decapitada.

3 anos depois, a estátua volta a ter cabeça 

Passado este tempo, e como relatam os jornais “O Dia”, “O Comércio do Porto” e “O Primeiro de Janeiro”, a Assembleia Municipal decidiu autorizar a restituição da estátua. Assim sendo, foi constituída uma comissão angariadora de fundos com o objetivo de pagar a dita obra. 

A verba foi conseguida e a comissão marcou a colocação da cabeça de Salazar para dia 5 de fevereiro de 1978, às 11h. Mas tal como revelou o jornal “O Tempo”, com data de 9 de fevereiro de 1978, o poder central mostrou, desde logo, o seu descontentamento e oposição à restituição da cabeça da estátua de Salazar.
Numa nota assinada por Almeida Santos, Ministro da Administração Interna à altura, e por Santos Pais, Ministro da Defesa, pode ler-se que “chegou ao conhecimento dos Ministérios da Justiça e da Administração Interna – disso se tendo feito eco alguns pela Comunicação Social – que pessoas não identificadas se propõem a realizar amanhã, domingo, uma manifestação junto da estátua de Salazar, em Santa Comba Dão, com o propósito de colocar na mesma a cabeça que dela foi retirado por autor desconhecido”. 

A nota prossegue: “Notícias não inteiramente confirmadas inculcam que grupos favoráveis e desfavoráveis àquela manifestação e propósito se preparam para afluir ao local, o que faz recear o risco de confrontações violentas”. 

Os Ministros acabariam por proibir a ação argumentando que “se trata de uma manifestação não precedida de cumprimento dos legais requisitos do exercício do direito de reunião, sendo por isso ilegal, porque a estátua se encontra em instalações dependentes do Ministério da Justiça”. 

Mesmo depois de terem sido notificados pelos Ministros da Justiça e da Administração Interna, a comissão de angariação de fundos decidiu avançar com a recolocação da cabeça da estátua, mas desta vez “durante a noite, sem qualquer concentração e espectáculo”. 

A ação noturna teve a presença da população local e da GNR de Santa Comba Dão.

Santa Comba Dão converteu-se numa batalha campal 

Pouco depois das 3 horas da madrugada da mesma noite que a cabeça da estátua de Salazar foi colocada, populares presenciaram a chegada de um carro da GNR e de um sargento a retirar de novo a cabeça da estátua. 

Esta situação despoletou uma onda de indignação entre a população santacombadense e alertada pelos sinos da Igreja dirigiu-se para a frente do Palácio de Justiça, local da estátua sem cabeça.

O jornal “O Dia”, datado de 6 de fevereiro de 1978, destacou que “a Guarda Nacional Republicana, cumprindo determinações do Governo, fez deslocar para a vila um considerável número de efetivos”. 

Santa Comba Dão, no dia 5 de fevereiro de 1978, viveu verdadeiras horas de confronto. Pelas 17 horas e 15 minutos, a GNR decidiu abrir fogo de intimidação para o ar.

O mesmo jornal refere que houve “doze feridos entre a população civil e seis da GNR”, entre eles uma mulher, chamada Hermínia Figueiredo, que acabaria por falecer depois de ser atingida quando presenciava na varanda da sua casa a batalha campal que estava a acontecer na vila onde residia.

Há 43 anos, Santa Comba Dão era local de discórdia e debate por causa de uma estátua que representava a uns, mas não representava a outros. 

Escrito com a preciosa ajuda de João Cão. 

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