O Interior do Avesso esteve à conversa com Débora Torralvo do Circo Zavata, descendente de famílias circenses.
O Circo Zavata montou a tenda em Vila Real este Natal, mas ao longo dos vários dias de espetáculo, muitas cadeiras ficaram vazias. Além das dificuldades que muitas companhias enfrentam, com públicos cada vez mais escassos, este ano os temporais de dezembro ainda fizeram estragos, deixaram prejuízos e adiaram a estreia.
Débora fala-nos do amor à profissão. De como teve de se reinventar, de trapezista a mágica. Que mesmo com magia, andar na estrada é um desafio constante e diário, sem apoios nem incentivos.
Há quantos anos estreou o Circo Zavata?
Faz neste momento 29 anos, foi quando eu nasci. Os meus pais já eram artistas de outros circos, entretanto juntaram um dinheirinho, e conseguiram concretizar o sonho, que é o sonho de qualquer artista. Montar a sua própria empresa. Até para poder ter a família toda a trabalhar no mesmo sítio.
A ideia que temos é que acaba por ser uma família, não só porque andam sempre juntos, mas porque normalmente há mesmo relações familiares.
Sim, sim, somos vários tios, primos, há sempre família.
Quantos artistas têm na companhia?
Somos 7 artistas.
E que números têm?
Temos um bocadinho de tudo. Temos um espetáculo que é composto por tudo o que há no circo. O equilibrista, ginasta, trapezista, malabarista, cuspidor de fogo e claro os palhaços. Ou seja temos um bocadinho de tudo o que é o circo, menos os animais.
E a Débora o que é que faz?
Eu sou trapezista, mas nós no circo, lá está, temos de ser um bocadinho de tudo. Com a retirada dos animais ainda temos que nos adaptar, de adaptar o espetáculo para conseguirmos manter as 2h de espetáculo, sem ter números com animais. Ou seja, eu além de trapezista, tive de passar a ser ginasta e mágica, que é para poder compor o espetáculo e não deixar o público a pensar, “mas então agora é só isto?”. Claro, os animais faziam falta no espetáculo de circo. Uma vez retirados, que ainda não são proibidos, mas nós por acaso já somos uma empresa que há muitos anos começámos a tirar porque já tínhamos alguns problemas. E não tínhamos animais exóticos nem nada, só tínhamos dois cavalinhos, para dar uma volta na pista, mais nada. Mas começámos a ter muitos entraves, em terras que não nos deixavam montar o circo por termos animais e nós optámos por retirar e tentar andar assim (sem animais).
Há quantos anos deixaram mesmo de ter animais?
Boa pergunta… mas há mais de dez anos. Também depois é assim, o circo começou a entrar numa época em que começou a ficar mais difícil, andar com o circo, e com grandes famílias, ou seja muita gente no circo. E a despesa dos animais também era uma balança. Transporte, alimentação, veterinários, condições para os ter, e a responsabilidade acima de tudo. Não era o caso do meu pai, que o meu pai nunca teve tigres nem animais selvagens, mas para quem os tinha, era uma responsabilidade muito grande, ter os animais assim. Todos os dias é uma incógnita. Testar, se está tudo bem, se as redes estão bem, se as fechaduras estão bem, é uma responsabilidade mesmo muito grande. E começámos a ponderar, embora não tivéssemos nada demais, animais mais perigosos, mas começámos a ponderar. Bastava um cavalo soltar-se e ir para a estrada, é sempre uma preocupação. Então pensámos, “vamos tentar tirar e ver a abordagem do público ao circo sem animais”. Dez anos depois, posso-lhe dizer, as pessoas que gostavam (do espetáculo com) animais não vêm. Elas queriam ver os animais no circo. E as pessoas que não querem animais no circo, também não vêm ao circo mostrar que é possível fazer um espetáculo sem animais. É muito bonito dizer “eu não quero animais no circo”, mas depois também não vêm apoiar essa causa, e aqui em Vila Real viu-se. Foi muito fraco, foi muito fraco.
Vocês já tinham estado em Vila Real?
No ano passado.
Também na época de Natal?
No Natal, sim. Mas no ano passado já foi um bocado em cima da data. Não estávamos a contar vir para aqui, íamos para outra cidade, que, entretanto, falhou. Viemos para cá e foi um bocadinho… não demos convites às crianças, não tivemos tempo. Este ano já viemos com uma promoção, uma criança acompanhada de um adulto não paga. Mas mesmo assim… por causa do temporal não conseguimos estrear no dia que estava previsto, a nossa estrutura ainda ficou danificada. Por causa disso só conseguimos estrear no dia 25. As obras aqui em frente também não ajudaram, porque este ano não tivemos trânsito a passar aqui em frente. O frio também não ajudou. Tínhamos espetáculos até dia 6, mas os outros foram fracos, só o fim-de-semana é que valeu a pena. Então não valia a pena a uma segunda-feira (dia 6) e fizemos só até dia 5.
Dia 6 era o primeiro dia de aulas do segundo período. Fizeram espetáculo para grupos escolares?
Nós só fizemos aqui espetáculos para o público. Demos os convites nas escolas e comércios, espalhámos 17 mil convites na cidade. Para quem quisesse vir, a criança teria entrada grátis quando acompanhada por um adulto, mas eram os pais que tinham a iniciativa de vir com elas.
Não eram grupos escolares então?
Não… Foi feita uma proposta à Câmara para patrocinar espetáculos para as crianças, idosos, mas não acolheram a ideia.
Vocês tomaram a decisão de retirar os animais do vosso espetáculo também influenciados pela pressão de alguns municípios. Como funciona aqui em Vila Real? O Município tem alguma limitação aos circos com animais? A licença questiona se o Circo tem animais?
Sim. Fazem sempre essa pergunta “o circo tem animais?”. Não só porque deixam, ou não deixam, mas também por causa dos veterinários. O veterinário tem de vir ao circo, ver se está tudo em ordem, para nos passar um alvará, em como se pode funcionar. Garantir que os animais estão bem tratados e estão dentro das normas que têm de estar.
Que tenham conhecimento, que municípios já não aceitam circos com animais?
Matosinhos, Porto, Santo Tirso. Há alguns, mas eu não lhe consigo dizer quais são porque houve muitos que começaram esse processo, e depois voltaram atrás. Nós retirámos os animais, decidimos, vamos fazer todo o espetáculo só com artistas de circo, vamo-nos desdobrar para conseguirmos criar outros números. Mas eu não vejo incentivo das pessoas que não querem animais no circo. Dizem, “ah, muito bem, não tem animais” mas depois não vão. Por isso é que ainda não acabou (os circos com animais). Porque é como lhe digo, ter esses animais é mesmo uma despesa muito alta, uma responsabilidade muito grande, e claro, se as pessoas continuassem a vir, era mais fácil para nós. Até conseguíamos ter mais artistas de circo, ou seja, direcionávamos o dinheiro que ia para a manutenção dos animais, para contratar novos artistas e assim se compunha o espetáculo de circo. Mas não há incentivos, nós é que insistimos e vamos andando assim. Mas notou-se uma diferença muito grande, sem dúvida. Nós ainda vamos andando porque já não temos animais, mas quem os tem está a lutar porque sabe que quando ficar sem eles vai ser muito mais complicado.
Fiquei a pensar no que disse, realmente poderia haver parcerias com as câmaras.
Eu vim aqui a Vila Real, em setembro, para falar com o Sr. Vereador da Educação, para propor preços super especiais. O preço de adulto são 12€, o de criança são 8€, e nós arranjámos a promoção que distribuímos nos convites porque realmente não tínhamos mais nada para dar. As pessoas já foram poucas, se não fosse assim, se calhar não vinha mesmo ninguém. Mas eu ainda fui à Câmara, tentei falar, porque essa era a minha ideia, fazer uns preços mesmo muito acessíveis para a Câmara trazer as crianças todas, jardins de infância, escolas primárias, lares de idosos.
Uma última pergunta, eu estou a falar com a Débora, mas os fundadores da companhia foram os seus pais. Eles ainda acompanham o circo ou já estão reformados?
Sim, sim. A minha mãe é a apresentadora do espetáculo e faz um número de equilibrismo. É equilibrista profissional. O meu pai, é o senhor que anda aqui a controlar as coisas,”é assim que se vai fazer”, “o espetáculo vai começar”, “o espetáculo tem de terminar que está na hora”, e assim. Ele era trapezista, a minha vocação fui buscar ao meu pai. Na da minha mãe não “dou uma para a caixa”, e também não é aquilo que eu gosto. Gosto de a ver fazer, mas não é aquilo que eu queria fazer, e ser artista de circo vai tudo de um gosto.
(Escrito por MFS)