Porque taxar as indústrias da celulose? – 1ª parte da entrevista ao Ricardo Vicente, deputado do BE e engenheiro agrónomo
Qual a importância desta medida para a floresta portuguesa?
Esta medida é essencial para diversificar a nossa floresta, para que ela ganhe mais resiliência. Essa resiliência não se mede apenas na resiliência aos incêndios, embora também o seja, nós não nos esquecemos dos incêndios de 2017, em que ardeu mais de meio milhão de hectares de floresta em Portugal, nunca antes sucedido. Mas esta diversificação da floresta garante também uma maior resiliência às pragas e doenças, porque tornamos o ecossistema mais equilibrado e isso é um problema nos sistemas florestais que se tende a agravar com o processo de alterações climáticas. Esta diversificação é também relevante para a preservação da fertilidade dos solos, para o combate à erosão, regulação do ciclo da água, preservação de biodiversidade. Bem, há um conjunto de serviços de ecossistema que resultam desta diversificação da floresta e que são completamente essenciais. Mas não só, também permite uma maior diversificação das atividades económicas em torno da floresta nas zonas onde esta existe. O investimento sobre a floresta não deve ser feito única e exclusivamente sobre a produção de material lenhoso direcionado para a indústria intensiva, com base nestas duas espécies, pinheiro e eucalipto. A floresta pode garantir a produção de um conjunto de bens, que não apenas, madeira, e uma maior diversidade de madeira produzida, com potencial para alimentar um conjunto de atividades económicas locais e que podem também fixar população, garantir uma melhor economia, melhores salários, etc. Mas é um investimento que o país tem de redirecionar porque atualmente a indústria da celulose, e dos pellets por exemplo, são duas indústrias que consomem uma grande fatia dos recursos florestais e que são responsáveis pelo estado em que a floresta está hoje.
Se devíamos promover a diversificação da floresta, que medidas tem o Governo preparadas para fazer frente à monocultura?
O OE não tem uma única medida que se oponha ao avanço da monocultura em Portugal, não é só no eucalipto, é na agricultura também. Não há uma única medida, nada, para desincentivar penalizar, quem promove uma forma de produção agrícola e florestal de base intensiva e de monocultura. Portanto o Governo enche-se de discursos e inventa uma meia dúzia de medidas de baixo impacto orçamental para promover mercados de proximidade e a economia circular, mas depois tem 113 milhões de euros para um programa nacional de regadio que contempla mais 50mil hectares de regadio para o Alentejo, que está a ser ocupado com monocultura de olival e amendoal. Não há nada neste Orçamento, nenhuma medida, que belisque os interesses dos promotores da monocultura, seja na agricultura ou na floresta. A única medida que havia era esta taxa, e dizem que se esqueceram.
Que outras medidas estão inscritas no OE2020 com efeito direto na produção florestal?
O OE2020 tem uma medida que pode vir a ser relevante, dependendo da forma como fôr desenhada. Têm previsto no Orçamento 100 milhões de euros para serviços de ecossistema. Falta saber de que forma esta verba vai ser aplicada. O que é isso, serviços de ecossistema? Que serviços vão ser remunerados? E como é que valoraram esse serviço? De que forma atribuíram um valor ao serviço em causa? É que isso é totalmente decisivo para o sucesso ou fracasso da medida. Há 100 milhões de euros para serviços de ecossistema, mas vamos pagar o quê? Mudanças de gestão florestal em áreas de proximidade a zonas de habitação, que obrigue os produtores florestais a plantar espécies folhosas e resilientes ao fogo em vez de eucalipto? É essa mudança do uso do solo? E de que forma é que vai ser remunerado, quanto é que vale? De que forma é esse serviço vai ser monitorizado? É que isto pode-se transformar no pagamento de uma renda a empresas que presta serviço fúteis ou pode ser utilizado para impulsionar a economia local, fazer com que as pessoas recebam um pagamento para transformar as áreas florestais à volta das suas aldeias, e com isso dinamizar o mercado local, ou serve para empresas de grande dimensão garantirem a gestão das suas faixas d egestão de combustível que é uma coisa que deviam fazer a seu próprio custo e vamos nós andar a pagar o que eles deviam fazer por obrigação? Quer dizer, há uma indefinição, tem de haver um estudo custo-benefício sobre as diversas opções de valoração, por exemplo, porque existem muitas formas de determinar o valor a pagar pelo serviço que foi. Perguntei ao Minstro do Ambiente se havia algum estudo de custo-benefício para suportar esta decisão do Governo, e o Ministro disse-me que havia um estudo de um professor que não reconheci o nome, que estaria disponível para, mas nunca disponibilizou informação nenhuma, portanto nós vamos votar esta medida com esta disputa ainda por fazer, sem saber exatamente o que ela quer dizer.
A votação, e eventual aprovação desta medida, pode acontecer sem se saberem exatamente os pormenores?
Sim, mas a ideia é boa, é um pagamento de serviços de ecossistema para promover espécies autóctones. Pronto, é o que lá está escrito. Sejam grandes proprietários florestais ou pequenos proprietários florestais a fazer essa transformação, não deixa de ser uma medida positiva, mas é muito diferente ter uma medida que abrange milhares de produtores florestais e o Interior Norte do país, ou ter uma medida aplicada a latifundiários do Alentejo.