Luís Leite Ramos, Alberto Aroso, António Costa e Silva, Carlos Lopes, José Soeiro, Ricardo Bento, Rui Alves, membros da Plataforma Portugal Interior 2030, analisam em as propostas para o interior do Plano de Recuperação Económica (PRE2030) de António Costa e Silva.
Os autores, no artigo do Público, consideram que preparar o país para enfrentar novas crises pressupõe o seu reequilíbrio e não a “cristalização do atual modelo territorial, como António Costa Silva acaba por propor”.
O PRE2030 é um bom ponto de partida para delinear uma resposta à recessão causada pelo COVID-19
Começam por considerar que o documento contém uma síntese pertinente das principais orientações que marcarão o futuro próximo, uma visão consistente, embora discutível para o país e “algumas boas ideias e propostas”.
Contudo, o documento também revelam fragilidades que “comprometem o seu alcance e eficácia”. Designadamente: ser “demasiado abrangente e repetitivo”; assentar num “diagnóstico superficial e distante do país real”; minimizar as “causas profundas de muitos dos problemas estruturais e dos fracassos para os resolver”; propor “algumas visões e estratégias setoriais fundadas em equívocos e prioridades duvidosas”, como por exemplo a coesão territorial.
A promoção da coesão territorial
A finalidade da coesão territorial é reduzir as assimetrias territoriais. No entanto António Costa e Silva não responde quais são estas assimetrias, apontando antes um caminho para a promoção da coesão territorial: “programas orientados para a preservação da biodiversidade, a valorização do capital natural e a transformação da paisagem, apostando numa floresta ordenada e resiliente e numa atividade agrícola adaptada ao território, preparada para enfrentar os efeitos das alterações climáticas e para cadeias curtas de distribuição e de consumo”. O interior do país, onde as assimetrias são mais vincadas, é indicado como o “principal destinatário destes programas”.
Qual o futuro e o papel do interior?
Segundo António Costa e Silva, o capital natural, agricultura e floresta serão “a chave para mobilizar o interior do país”. Agricultura e floresta ecológicas e sustentáveis, com a dupla função de conservação e produção, mas em que a “prioridade deve ser a conservação”.
Uma perspectiva que, para os autores, “suscita perplexidade e estranheza”. Perplexidade porque o PRE2030 prevê a instalação, precisamente no interior, de projetos contraditórios a esta “função de conservação”, como os projetos de exploração mineira ou os centros de tratamento de resíduos e reciclagem. “Estranheza por ignorar a valorização económica dos seus recursos agrícolas, do vinho ao azeite, dos frutos secos aos hortícolas.”
Mas ficam as questões: “será que uma estratégia de desenvolvimento que circunscreve o seu foco ao setor agroflorestal e secundariza a sua função produtiva pode alcançar os objetivos a que se propõe? E o interior pode desenvolver-se sem economia produtiva, empresas competitivas e emprego qualificado?”
“Plano de investimento direcionado para o Interior”
Esta é uma das medidas do PRE2030 que procura dar resposta às questões do ponto anterior, “enunciando algumas linhas de ação interessantes e curiosas”. Como por exemplo, “a exploração do conceito de Hinterland ibérico”, “colocando as cidades, vilas e regiões fronteiriças a cooperar entre si, criando espaços geoeconómicos integrando e potenciando o acesso das empresas portuguesas ao mercado ibérico”.
Mas mais uma vez a questão é pouco desenvolvida, pois não só não é explicado como se cumpre tal objetivo, como não é explicado “porque é ao fim destes séculos todos o desenvolvimento e a integração da economia transfronteiriça, com a exceção de alguns casos pontuais e específicos, não aconteceu nem se aprofundou.”
Transição digital
Uma segunda linha de ação foca-se na apresentação de propostas que visam a “transição digital”, destinando-se à inovação e digitalização do setor agroflorestal, à criação de centros tecnológicos e ao alargamento da rede de fibra ótica a todo o país.
O PRE2030 propõe também a criação de espaços geoeconómicos e de clusters temáticos distribuídos pelas cidades do interior. “Excelentes propostas que mereceriam, todavia, um outro enquadramento e ambição para produzirem os resultados esperados”, consideram os autores.
“A maioria das apostas privilegiam os recursos “naturais” e agroflorestais, embora surjam novas e inesperadas temáticas: digital, biomédicas e cidades do futuro. Mas as propostas são vagas, pouco fundamentadas, sem massa crítica e/ou escala e, sobretudo, com uma frágil amarração aos tecidos produtivos locais. E sem qualquer articulação com a reindustrialização do país, o que significa que esta não conta para o Interior, nem mesmo nos casos mais óbvios, como as renováveis ou as indústrias extrativas e a mineração”, resumem.
“Clusterização” das áreas-chave das cidades médias e áreas envolventes
Esta é mais uma das propostas de António Costa e Silva que visam promover o desenvolvimento do interior. Para os autores, “mais uma boa ideia que, infelizmente, se fica por umas frases vistosas e sugestivas.”
Denfendendo que “o reforço da rede urbana deve ser um dos vetores chave do desenvolvimento do interior. O seu futuro, por mais estranho que pareça, joga-se nas suas cidades e vilas, já que o estancar da hemorragia demográfica depende, em grande medida, da capacidade dos seus centros urbanos em potenciar recursos e oportunidades, gerar iniciativas e atividades, atrair e fixar população.”
Neste sentido, seria expectável “um programa consistente de reforço e desenvolvimento da rede urbana nacional”, com especial incidência nas cidades médias e nos eixos urbanos do interior, o que de resto está previsto no PNPOT, “capazes de assumirem um papel de verdadeiros polos e âncoras de desenvolvimento social e económico.”
“Portugal é um país marcado por profundas assimetrias territoriais”
O problema, que já é antigo, tem vindo a acentuar-se nas últimas décadas, “com a concentração de pessoas, empregos e atividades numa estreita faixa litoral e, sobretudo, na bacia metropolitana de Lisboa”, lembram os autores. Em 2018, cerca de 82% da população do continente residia a menos de 50 km da costa e 45% apenas nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.
“Ora a pandemia do COVID-19 veio demonstrar não só os custos e os riscos desta concentração bipolar, mas também o caráter central do “território” na construção de um país mais seguro, resiliente e competitivo.” Assim, “a preparação do país para enfrentar novas crises sanitárias ou económicas pressupõe o seu reequilíbrio e não a cristalização do atual modelo territorial, como ACS acaba por propor.”
Fica uma questão final: “será que devemos concluir que o PRE2030 afinal se limita a consagrar, embora com um discurso novo e mais arejado, a velha ideia de que o interior se limita a ser a paisagem que enquadra Lisboa e o litoral?”