Greve: Fábrica MB2 Manufacture na Guarda não paga salários há dois meses

Trabalhadoras da fábrica MB2 Manufacture, na Guarda, fazem greve após dois meses de salários em atraso e condições de trabalho indignas. Embora os incumprimentos do Código do Trabalho sejam do conhecimento do sindicato e da ACT, a empresa não apresenta soluções. As trabalhadoras aguardam ações concretas da ACT para garantir os seus direitos.

As trabalhadoras da fábrica de brinquedos MB2 Manufacture, na Guarda, entraram em greve devido a dois meses de salários não pagos. A empresa, que tem um histórico de atrasos nos pagamentos, está a pressionar as funcionárias e ameaçá-las de despedimento para impedir a mobilização em defesa dos seus direitos.

Segundo os relatos, a administração da MB2 Manufacture terá praticado assédio moral e constrangimentos para dissuadir as trabalhadoras de aderirem à greve. Além disso, terá ameaçado despedimentos e marcado, por duas vezes, um dia extra de férias, no dia anterior à greve convocada pelo sindicato, com o intuito de dificultar a mobilização. A falta de pagamento da empresa levou à paralisação, com as trabalhadoras a exigirem o pagamento imediato dos salários em atraso e melhores condições de trabalho.

A cabeça de lista do Bloco de Esquerda pela Guarda, Beatriz Realinho, esteve presente na paralisação para ouvir as trabalhadoras e manifestar solidariedade com elas. “Há uma minoria que lucra todos os dias à custa da maioria que trabalha para levar o país para a frente”, afirmou a candidata.

A trabalhadora Cristina Gomes deu voz às dificuldades sentidas por muitas das suas colegas. “Que fique bem claro que todas estas funcionárias que aqui estão, tal como eu, não querem esta fábrica fechada. A única coisa que nós queremos é trabalhar e que os nossos salários nos sejam pagos. Nós tentámos de tudo, aceitámos várias justificações até chegarmos ao dia de hoje. Trabalho nesta fábrica desde o primeiro dia. Este ano, só recebemos o mês de fevereiro no dia 28 de março. O que aconteceu foi que não nos foram pagos os salários a nós, mas à Maia & Borges os salários nunca estiveram em atraso, e nós não conseguimos perceber. Nunca deixámos de ter trabalho e as carrinhas nunca deixaram de sair daqui com as obras feitas. Então, perguntamos: onde está o dinheiro do nosso trabalho? Porque é que estamos nesta situação?”

Empresa ignora sindicato e ameaça trabalhadoras. Foto: Eddie Rodrigues

A trabalhadora também falou sobre as dificuldades enfrentadas pelas funcionárias e as táticas usadas pela empresa para desmobilizar a greve. “Tínhamos greve marcada para 24 de abril, mas a empresa decretou férias nesse dia para a impedir. Ontem, ao meio-dia, comunicaram que hoje estaríamos novamente de férias, claramente para bloquear o nosso manifesto e impedir-nos de exigir os salários em atraso. Mas o desespero é tanto que, como vê, estamos aqui praticamente todas. Só faltam colegas que estão de baixa por não aguentarem o stress psicológico. Posso dizer que, ontem, ao meio-dia, três colegas não aguentaram a pressão e acabaram por se despedir.”

“Nós temos cá mães solo, eu tenho dois filhos a estudar, tenho uma filha na universidade e já tive de pagar três meses do quarto da minha filha sem estar a receber. Esta situação está insuportável. Então, hoje, por mais que nos custe estar aqui, porque se a administração pensa que é fácil estar aqui, não é. Penamos muito, pensamos muito, mas sinceramente não tivemos outra alternativa. Queremos continuar a trabalhar, mas queremos os nossos salários porque temos filhos para sustentar”, afirmou Cristina, categórica.

Além dos salários em atraso, as trabalhadoras denunciam também condições de trabalho precárias. A fábrica não fornece equipamentos adequados, como máscaras e luvas, o sistema de aquecimento não funciona, expondo-as ao frio intenso da região, e há uma falta de artigos básicos, como o papel higiénico nas casas de banho, que não é reposto durante semanas.

Sindicatos e ACT chamados a intervir
Apesar de a situação ser do conhecimento do sindicato e da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), a empresa continua a desrespeitar os direitos laborais das trabalhadoras.

“Há dois dias, o sindicato contactou a administração e disse que não queríamos fazer a greve, e isso ficou bem claro. A nossa finalidade não era fazer a greve, mas receber os salários. Então, nós próprias dissemos ao sindicato para tentar mais uma vez”, relatou Gomes.

A denúncia já tinha sido levada ao conhecimento da Câmara Municipal da Guarda em 2023, quando foi solicitado ao Executivo que interpelasse a empresa no sentido de melhorar as condições de trabalho dos munícipes. “Tive conhecimento, através de trabalhadores, parece até haver um certo clima de medo nesta matéria, de que a empresa MB2, que desenvolve a sua atividade no Outeiro de S. Miguel, há trabalhadores sem um mínimo de condições para o exercício da atividade laboral. Tenho a informação de que os trabalhadores padecem para exercer a sua atividade laboral nesta empresa e deixo aqui o repto ao Executivo para, de alguma forma, e dentro daquilo que tem ao seu alcance, poder interpelar esta empresa, a fim de melhorar as condições destes trabalhadores. Não orgulha nenhuma empresa que venha para a Guarda e que é acarinhada, como nós sabemos, quer por este Executivo, quer pelos anteriores, que de certeza fazem tudo para que as empresas venham para a Guarda e criem postos de trabalho, mas as condições de trabalho e a indignidade da falta de humanidade são uma linha vermelha abaixo da qual nenhuma empresa deve funcionar na Guarda.”

Dois meses sem pagar salários e condições de trabalho indignas. Foto: Eddie Rodrigues

Ordenado mínimo e subsídio de refeição de 3 euros não chegam
As funcionárias recebem o salário mínimo nacional e um subsídio de refeição de apenas 3 euros por dia, valores que, face ao elevado custo de vida, já eram insuficientes antes dos atrasos no pagamento do ordenado. A situação atual é de extrema dificuldade financeira, com muitas famílias a verem-se impossibilitadas de pagar a renda, a prestação da casa e as despesas essenciais.

“Já mal conseguíamos sobreviver com o que nos pagavam. Agora, sem salários há dois meses, não sabemos como vamos alimentar os nossos filhos ou manter a casa”, desabafa uma das trabalhadoras, que prefere manter o anonimato por medo de represálias. “Isto sempre foi assim. Nunca temos uma data prevista para receber o ordenado. Já recebemos nos dias 10, 11, 12 de cada mês, e temos de aguardar sempre a data que ele quiser pagar.”

“Estou há três anos nesta empresa e, sem dúvida alguma, gosto do que faço, mas andamos assim desde fevereiro. O jogo psicológico que acontece aqui diariamente, por parte da administração e das chefes, a meter-se com as pessoas, de estarem sempre com ameaças, não é fácil de suportar”, disse outra trabalhadora.

De forma anónima, uma trabalhadora afirmou que “o dia a dia tem sido marcado por muita pressão psicológica. A chefe do RH falta-nos ao respeito. São insultos atrás de insultos, ameaças e chantagens. Ontem, disseram que, se fizéssemos greve, fariam despedimento coletivo. No entanto, trabalhar sem receber já é praticamente a mesma coisa. Estamos a passar necessidades, porque há muitas trabalhadoras que dependem deste ordenado para sustentar as suas famílias.”

Próximos passos
As trabalhadoras esperam que a greve resulte em melhorias nas condições de trabalho, na regularização dos pagamentos em atraso e na negociação de melhorias. Por outro lado, espera-se que a ACT assuma uma posição mais firme face aos sucessivos incumprimentos do Código do Trabalho por parte de empresas da região.

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