“Quem tem medo do lobo mau?”

Quem reconhecer o título desta música, conhecerá, por certo, a fábula dos “Três porquinhos”. A letra, apesar do disfarçado otimismo, é reveladora das inquietações destes três porquinhos, na ótica, “quem canta seus males espanta”. O que é certo, é que no dia em que o lobo mau apareceu, afinal, os pobres coitados dos porquinhos não se sentiram assim tão seguros quanto cantavam ou imaginavam. O resto da fábula, decerto que a conhecerão… Mas porque falo eu, agora, dos “Três porquinhos” e do seu ícone musical: “Quem tem medo do lobo mau, lobo, mau, lobo mau…”? Lembrei-me dela, imaginem lá vocês, porque vem aí o 25 de abril.

Lembrei-me do “Lobo Mau” porque, apesar da decisão de se celebrar uma cerimónia solene pelo seu aniversário, dentro da sua própria casa, casa essa que sempre esteve aberta mesmo neste estado de emergência, e apesar da decisão ter sido tomada por todos os habitantes da sua casa, exceto onze deles, ao todo são 230 os que lá moram, quando apareceu em Praça Pública o “Lobo Mau”, um lobo chamado: Democracia e de apelido 25 de abril (não é um nome nem um apelido muito bonito para um Lobo, confesso, mas é o nome que tem) a quinta ficou em alvoroço. Chegado o lobo às imediações da quinta, como reagiram os três porquinhos?

O primeiro porquinho disse que o seu pai já lhe tinha falado do “Lobo Mau”, que este teve muita dificuldade para nascer, era muito fraquinho, e que até foi o pai do porquinho que o ajudou a nascer. O “Lobo Mau” cresceu, não muito, e chegando o seu aniversário queria convidar este porquinho como forma de reconhecimento, mas o porquinho com medo e por achar que não era tempo para festas pensava em declinar o convite. Eram várias as suas razões; primeiro porque o lobo tinha sobrenome de Mau, depois porque não era altura para festas, havia animais a morrer na quinta e não se deve festejar. Porque não puderam ir beijar a cruz, então não se deve festejar. Porque não veem o pai há dois meses e então não se deve festejar. Porque há veterinários que não abraçam os filhos e um outro sem número de razões pelas quais não se devia festejar. Pelo que concluiu, este primeiro porquinho, que, embora estivesse aberta a semana toda, deveria ao chegar o dia, em que o lobo o vinha convidar para o aniversário, trancar a sua casa, era engodo do Lobo Mau, pensou ele. A casa deste porquinho era feita de palha, uma palha vinda do supermercado, dos centros de saúde, das padarias, de fábricas que nunca deixaram de funcionar e até da própria casa do Lobo Mau, pois nem essa parou a sua actividade. Também havia palha vinda da sementeira do moralismo, dizia o porquinho : – “É feio bater palmas seja ao que for em tempos em que morrem animais na quinta”. Ironicamente, todos os dias, esse e mais porquinhos aplaudiam à janela e punham música para os vizinhos e um sem número de outras atividades festivas. (Seriam essas palmas para os mortos diários da quinta ou para os que combatem a pandemia?) Não sei, sei que este porquinho tinha muita palha, palha essa acumulada de muitas safras…

O segundo porquinho, provavelmente, ou nem era nascido, ou se era, nem sabia que era. Até já tinha ouvido falar do “Lobo Mau”, mas para ele era quase uma figura mitológica, por isso, perder tempo e energia com o tema era para ele absurdo. Até porque para ele tudo era absurdo, a democracia era absurda, a quinta onde vivia era absurda, o dono da quinta era um qualquer absurdo….A ele era-lhe igual! Desde que houvesse umas míseras bolotas para encher a barriga e que de barriga cheia pudesse dizer mal de tudo e todos, nem que para isso fosse preciso contradizer-se, era-lhe igual. Hoje diz mal da quinta e do dono, mas se algum porquinho, amanhã, da quinta ao lado, tecer críticas à sua quinta: – “Aí, eu fico irado!”. Dizia mal da sua própria quinta, mas se algum porquinho da quinta ao lado elogiasse a dele, ele já respondia: – “Pois claro, cada um tem o que merece. Os meus antepassados conquistaram as quintas quase todas deste mundo, é óbvio que a minha genética é superior e tenho direito a esta quinta. Duvidas?” Então, vivia tranquilo este porquinho na sua casa de madeira, madeira essa vinda dos Big Brothers deste mundo, das selfies em festival de verão, das novelas e séries, das manchetes das CMTV’s deste mundo, das “letras gordas” no feed do Facebook; e contente e feliz, lá se sentava no sofá da sua casa de madeira a mordiscar umas bolotas. Convém informar que a madeira com a qual construiu a casa lhe foi indicada por um outro porquinho da quinta.

Já o terceiro porquinho, este com um pouco mais de experiência em construção civil, dedicou a sua vida à construção do seu bunker. Sabia bem quem era o “Lobo Mau” e do seu poder de sopro. Sabia bem que quando o povo sopra, perdão, o lobo sopra, a casa pode cair. Já lhe aconteceu no passado ver a sua casa quase desmoronar, por isso, assustado e avisado do perigo do poder do povo, perdão, do lobo, passou a vida a pedir ajuda aos porquinhos vizinhos, até podiam, nas horas vagas, construir as suas casas de palha ou de madeira, mas deviam ajudá-lo. Tinham de se unir e fazer tudo por tudo para que esse lobo, que come porquinhos ao pequeno-almoço, não lhe derrubasse a casa. Em troca prometeu-lhes que quando o lobo viesse para os comer, poderiam entrar, também, na sua casa. Um acendia o fogo, para queimar o lobo quando este tentasse entrar pela chaminé, o outro podia, sei lá!, varrer a casa ou preparar as bolotas para o jantar, enquanto o dono, esse terceiro porquinho, guardava as bolotas que todos trouxessem de suas casas num dos seus baús. Este último porquinho, o dono, tinha uma casa de tijolo, tijolos esses cozidos em mentiras, em sementeiras de medo, de falácias, em poder financeiro acumulado entre duas a três gerações, cozidos em soberba e prepotência. Tijolos bem sólidos e quase inabaláveis, que os outros dois porquinho assentaram constituindo uma bela e sólida casa.

Moral da história: Chegou o dia e veio o lobo, mas não era mau, não soprou a casa de palha, nem derrubou a casa de madeira, vinha falar aos porquinhos de liberdade, igualdade e do seu aniversário. Queria convidar o primeiro e aproveitar para lhe avisar que a sua casa de palha era frágil para os dias de vento. Queria convidar o segundo e avisar que a madeira que lhe indicaram para a sua casa estava cheia de traças e que podia ruir, mas o terceiro porquinho, ao avistar o lobo ao longe, da sua torre de controlo, chamou os outros porquinhos e tinha-os trancados na sua casa e espalhava o medo do lobo que gentilmente batia à porta. Assim o terceiro porquinho controlando os outros pelo medo, sem suar uma só gota, açambarcou todo o trabalho e todas as poupanças dos outros dois porquinhos que com um medo irreal do lobo não viam a malícia no sorriso manhoso do terceiro porquinho.

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Nascido em Viseu e emigrado na Suíça, onde é dirigente na Associação 25 de abril em Genebra. É autor do argumento da peça de teatro "O grito do sufoco”, assim como de peças jornalísticas para o canal de televisão suíço, Grand Genève TV.

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