António Costa exigiu, o eleitorado (con)cedeu, e a sede, do líder do PS, pela maioria absoluta foi saciada. Costa, com a conivência e jogo político do Presidente da República, simulou uma alegada incapacidade para legislar e governar – desdenhando e desrespeitando os partidos que, desde 2015, lhe permitiam ser primeiro ministro – chorou-se duma crise política demagoga e duma impraticável exigência dos “parceiros” por uma mancheia de medidas (já antes defendidas pelo PS), que devolviam a dignidade e repunham a justiça, a quem se vê nos limiares do «bom senso social» (cunho esta expressão como conjunto quer da pobreza, como da falta de serviços e medidas de apoio efectivo); medidas que respeitavam os profissionais exauridos pelo seu combate incessante nesta pandemia e lhes permitiriam algum desafogo, com o reforço (mais do que devido, justo e necessário) do SNS; medidas que olhavam para o país como a gente que o faz, e não como números para alimentar dados, estatísticas e bolsos de empresas (“CEO’s” e outros quadros), medidas que olhavam o país como pessoas que merecem a dignidade de serem tratadas com respeito e de serem recompensadas pelo seu trabalho, pelos seus esforços e pelos sacrifícios a que se viram obrigadas, gente de verdade que merece mais do que o menosprezo dos líderes europeus; medidas que visavam dignificar o trabalho, os trabalhadores e as condições laborais, acabar com os cortes e as sangrias, desmitificar o bicho papão do aumento do salário mínimo nacional – como se fosse um assalto vil ao patronato (grupelho esse que embolsa os lucros do trabalho alheio) e um rombo na economia (não o é, o que faz mal à economia é a falta de poder de compra dos cidadãos); não, não foram estas medidas e a sua recusa que tornaram impraticável António Costa governar, Costa só não gostava de que não fosse tudo como exigia, Costa o que não queria era ter de partilhar (foi lesto a reclamar para si medidas que o país deve aos parceiros de Esquerda), foi Costa e a sua irrevogável sede de poder que tornou impraticável uma solução governativa, não foram as medidas, justamente, propostas e que, estrategicamente, recusou, que tornaram impraticável o PS governar. Não, Costa queria brincar sozinho, e tinha para isso tr(i)unfos que deve aos parceiros que ora desdenha. Portanto, fez birra, porque os outros meninos lhe pediam que concedesse alguns brinquedos, e Marcelo, vendo, também, uma oportunidade de mandar embora os meninos, que ambos têm como insuportáveis, porque falam em partilhar, ao invés de arrebanhar tudo para si e alguns amigos; Costa e Marcelo lá orquestraram a tramóia da “crise política”. A jogada, contra o senso comum, correu muito bem a António Costa, espero que Marcelo, em Belém, tenha aberto uma garrafa de bom espumante para celebrar a vitória do menino amigo que já pode brincar sozinho com todos os seus brinquedos e que, de caminho, deu a Rui Rio a lambada que Marcelo não pudera antes dar, publicamente, com medo das consequências (das quais, assim, consegue livrar-se). Do primeiro vencedor estamos falados, dediquemos algumas palavras ao segundo.
André Ventura mentiu, o eleitorado comprometeu e o ódio reforçou a representação parlamentar com que já tinha, infelizmente, conspurcado a Assembleia da República. Dediquei ao quarto pastorinho a minha crónica anterior, onde, tal como muitos, procurei demonstrar a fraude política que ele é, tanto enquanto pessoa, como político, assim como fraudulenta é a seita reaccionária que é o seu partido, procurarei agora não me repetir. Depois de um programa que visava acabar com todo o Estado Social, da escola pública ao SNS, um programa que se opunha ao trabalho justo, promovendo os despedimentos, a contratacção precária, e que ilegalizava o movimento sindical (por entre o imenso pântano de ideias que era o programa que, entretanto, o partido omitiu). Com nove páginas de um vazio programático (tudo o que restou após a revisão que levara o programa a debandar do site do partido), os caciques interesseiros e a corja acéfala que continua, cegamente, a ver neste cata-vento político, uma figura que a represente, ignorando o quão, evidentemente, este representa apenas interesses pessoais e como não é mais do que testa-de-ferro de lóbis sectários capitalistas; com nove páginas de nada, e no ano em que louvamos, finalmente, mais tempo de democracia do que de ditadura, enquanto república; num ano que deveria ser de celebração para a democracia e a liberdade, o ódio ganha notoriedade numa casa onde não se deveria, jamais, fazer representar. Esta é a verdade duma política de mentiras. Nunca um político terá mentido tanto, e tão, desavergonhadamente, como Ventura mente. Mente sobre dados estatísticos, sobre estudos, sobre declarações suas ou dos seus seguidores, mente sobre omissões, mente sobre mentir. Ventura e mentir são quase sinónimos, Ventura é personificação de hipocrisia. A hipocrisia dum nacionalista que vai para Espanha gritar “Viva Espanha!”, enquanto, por cá, manda portugueses para a “terra deles”, de braço no ar, negando o racismo inato da sua seita; a hipocrisia dum combatente de corrupção e nepotismo, que falta às comissões e votações sobre o tema, enquanto nomeia para o parlamento elementos da mesma família (aqui, a sua hipocrisia, chega ao ponto de contradizer uma proposta sua na anterior legislatura); a hipocrisia dum anti-sistema que tudo faz para se entrosar nesse mesmo sistema e que apregoa, ainda, descaradamente, querer é implementar um sistema mais à sua medida e dos seus. O ódio da sua seita e a hipocrisia do quarto pastorinho venceram, também, estas eleições, porque não só provaram, definitivamente, que, a excepção portuguesa à direita radical, era falaciosa, como provaram que, apenas faltava o encantador certo, com as papas e bolos certos, para espevitar palas e atrair para fora das tocas pútridas o ódio desavergonhado dos encantados.
Assim, se estes houve vencedores, outros houve vencidos. BE, PCP e PEV foram, indubitavelmente, partidos que sofreram, com a ideia errada de que fossem responsáveis por uma crise política inexistente; assim como, com a ilusão do voto útil no PS, retirando expressão às vozes de partidos que preferiram o risco da percepção popular errada (explorada, ad nauseam, tanto por políticos, como por “tudólogos” na Comunicação Social), do que um desviar de olhos eleitoralista e comprometedor com os seus eleitores e ideologias. Mas, razões para esta derrota da Esquerda há muitas, com que, contudo, não vou estender mais este texto. Deixo apenas a última nota de que o maior derrotado nestas eleições é o povo português, agora à mercê de um António Costa e um Partido Socialista com via aberta para manter cortes e desinvestimento, para adiar respostas e soluções, para manter na precariedade “a geração mais bem preparada de sempre”; enquanto isso, assistiremos à expectável miserável prestação parlamentar duma seita de egos e interesses privados, em procissão de roda do ego mor. E ao mexilhão, com uma mão à frente e outra atrás, uma vazia e a outra cheia de nada, restará apenas assistir ao espectáculo deplorável, apontando dedos acusadores a tudo e todos, mas recusando a auto-reflexão.
Nasceu em Macedo de Cavaleiros, Coração do Nordeste Transmontano, em 1983, onde orgulhosamente reside. Licenciado em Línguas, Literaturas e Culturas, publicou poemas e artigos na extinta fanzine “NU” e em blogues, antes de editar em 2015 o livro-objecto “Poesia Com Pota”. Português de Mal e acérrimo defensor da regionalização foi deputado municipal entre 2009-2013.
Este autor escreve segundo o antigo acordo ortográfico.