Estamos em época de eleições, em tempos de equilíbrios precários e visões estratégicas confinadas ao agora! É certo que a democracia não se faz sem partidos e mesmo não sendo a nossa, ainda, uma democracia madura, estes têm mais responsabilidades implícitas. Desde logo, para além de representar o seu eleitorado, os partidos têm a obrigação de contribuir para uma cultura democrática, onde os eleitores procedem a escolhas conscientes, cientificamente fundamentadas e coerentes.
No geral, e na direita mais em particular – talvez fruto do desespero e da falta de ideias, soluções e políticas estruturantes – nas campanhas emprega-se demasiada energia nos jogos de marketing. Usa-se e abusa-se de estratégias de comunicação e de malabarismos que, grosso modo, assentam numa mão cheia de nada. Este é o tempo em que vemos Nuno Melo, deputado eleito pelo CDS – PP para o Parlamento Europeu, a dissertar de forma convicta e entusiástica sobre o uso da cor azul por todos os partidos, em específico e mais ultrajante pelos “partidos vermelhos”. Ou, ainda, este mesmo partido – num acto moribundo de desespero político – a afirmar que vivemos um PREC e de seguida a querer colar as “esquerdas unidas” a uma governação típica do Estado Novo! Vemos Rui Rio numa espécie de Inspector Gadget a consertar os rombos no casco do seu partido, a tentar não escorregar nas cascas de banana atiradas por alguns elementos que, ainda, resistem e, em simultâneo, a tentar recuperar eleitorado. Mesmo assim, ainda tem de assistir, todos os dias, a militantes, simpatizantes e outros a quem o tacho do PSD muito bem serviu, a ocuparem e se alinharem noutras fileiras assumidamente ultra-liberais.
Ainda no interior, continuamos a ver muitos dos típicos votantes que nem sequer tentam conhecer, ler e reflectir sobre os programas políticos dos partidos. Votam, muitas das vezes, contra as suas reais pretensões. Aqui bastam umas artimanhas de estética e contorcionismo para manter este eleitorado, a saber: a velha ideia de interpretar a seriedade e competência de um indivíduo pela roupa que veste; as listas de candidatos arrumadas de acordo com as profissões, historicamente, mais prestigiantes como que o ser médico(a) e/ou advogado(a) fosse garante de competência política; e, por fim, os logótipos, por si só, são uma referência – “eu voto na seta porque já o meu pai votava”; “eu voto no punho”.
Se há coisa real e efectiva nos programas eleitorais da direita e do PS são a defesa dos interesses da grande finança, dos latifundiários, das multi-nacionais, em suma, das elites. As ânsias da tão disputada, distorcida, da verdadeira, classe média, das classes no limiar da pobreza e dos que estão, ainda e propositadamente, abaixo desta linha ficam, inequivocamente, a cargo de quem defende os direitos sociais e laborais, de quem combate as desigualdades, o preconceito, a corrupção e as lógicas de poder implacável para os fracos e conivente com os seus congéneres fortes.
Aqueles pequenos e médios empresários, empreendedores e demais iluminados que enaltecem a sua capacidade de sucesso, remetendo-a única e exclusivamente para a esfera do esforço individual, dedicação e determinação (mas que gozam, na penumbra, de uma mão invisível que os sustenta e guia), se quisessem perceber de política e de organização da sociedade teriam muito a ganhar. Estes, ao contrário dos mais velhos, mantêm o foco nos lucros e fazem do chico-espertismo a sua bandeira. Discutem a política como que de futebol se tratasse, usam e abusam das redes sociais como especial doutrina e, a par de outros “pirómanos sociais” vão criando ruído e minando a coesão social.
O universo político e social está, hoje, envolto em cortinas de fumo mais interessadas em mascarar para reinar – e que, em última instância, vão beneficiando a ascensão da extrema direita. Recorrendo à análise que Gilles Lipovetsky e Jean Serroy fizeram ao consumo e às marcas em “O Capitalismo Estético na Era da Globalização” e transpondo-a para as relações humanas, para o Contrato Social, para outros pactos civilizacionais e para questões tão caras ao ser humano como é (ou devia ser) a sobrevivência da própria espécie, diria que estamos perante o abismo, mas bem maquilhados!
Teremos urgência em fortalecer a nossa cultura política (não politiqueira) e votar de forma consciente em quem apresenta propostas reais, honestas, equitativas, justas e tão necessárias à vida em sociedade?
Ou vamos continuar a ser seduzidos pela ode à estética e a seguir o canto da sereia protagonizado pelos populistas, oportunistas ou outros que tais?
Emocionalmente antropólogo, formalmente assistente social. Progressista, fortemente engajado com a justiça social e comprometido com a natureza e o ambiente.
Este autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.